Brasil emplaca discussão sobre bioeconomia no G20: avanços concretos ou agenda vazia?

Embora a bioeconomia tenha sido listada como um dos pilares do programa de neoindustrailização brasileiro, ainda há mais teoria do que exemplos claros do paradigma mais sustentável de produção. Especialistas comemoram acordo multilateral, mas põe em xeque estratégias de avanços.

Sob a presidência do Brasil, representantes do G20 (fórum internacional que reúne as 19 principais economias do mundo, a União Europeia e a União Africana) aprovaram pela primeira vez na história um acordo multilateral sobre bioeconomia. Embora ainda seja um conceito sem definição clara, a bioeconomia refere-se a um desenvolvimento econômico baseado em recursos biológicos. Um dos principais pontos é a substituição de matérias-primas fósseis ou poluentes por alternativas mais ecológicas.

A cúpula do G20, reunião final do grupo em 2024, acontece no Rio de Janeiro nos dias 18 e 19 de novembro. O evento reunirá chefes de Estado e Governo dos países que  representam 80% do PIB global, da população mundial e das emissões globais de gases do efeito estufa para aprovar os acordos negociados ao longo do ano e debater caminhos para lidar com desafios globais.   

Os dez altos princípios, ou Iniciativa de Bioeconomia do G20 (GIB na sigla em inglês), foram publicados em setembro de 2024, ao final de nove meses de negociações.  

1ª Reunião da Iniciativa Global em Bioeconomia do G20. Foto: Felipe Werneck/MMA

Eles se baseiam em três eixos principais: tecnologia e inovação; uso sustentável da biodiversidade; e o papel da bioeconomia na promoção do desenvolvimento sustentável. Não vinculante, a iniciativa pretende promover a cooperação internacional e lança mão de uma linguagem abrangente que permite sua implementação em diferentes contextos tecnológicos, ambientais e econômicos. Apesar de não detalhar conceitos como “desenvolvimento sustentável” ou explicar como se darão as mencionadas “colaboração e cooperação internacional”, o décimo princípio explicita que as atividades de bioeconomia devem “Basear-se em abordagens específicas de cada país e ser implementado de acordo com as prioridades nacionais e as circunstâncias regionais e locais”. 

O Brasil vem desenvolvendo uma série de políticas e planos ao redor da bioeconomia e do desenvolvimento sustentável. Em 2023, o governo federal lançou o Plano de Transformação Ecológica, que envolve atuação integrada entre os três poderes e conta com mais de 100 políticas públicas. No começo de 2024, foi lançado o Nova Indústria Brasil um plano de ação para a neoindustrialização brasileira. Dividido em seis “missões”, o plano prevê a bioeconomia como um desses pilares. Entre os objetivos específicos está “fortalecer as cadeias produtivas baseadas na economia circular e no uso sustentável e inovador da biodiversidade, desenvolver indústrias da bioeconomia e promover a valorização da floresta em pé e o manejo florestal sustentável”. 

Em declaração, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, diz que o plano “posiciona a inovação e a sustentabilidade no centro do desenvolvimento econômico, estimulando a pesquisa e a tecnologia nos mais diversos segmentos, com responsabilidade social e ambiental”.

Enquanto isso, a Estratégia Nacional de Bioeconomia está sendo construída em cooperação com estados, municípios, entidades privadas e sociedade civil, sob a perspectiva de um “modelo de desenvolvimento produtivo e econômico baseado em valores de justiça, ética e inclusão, capaz de gerar produtos, processos e serviços, de forma eficiente, com base no uso sustentável, na regeneração e na conservação da biodiversidade, norteado pelos conhecimentos científicos e tradicionais e pelas suas inovações e tecnologias, com vistas à agregação de valor, à geração de trabalho e renda, à sustentabilidade e ao equilíbrio climático”.

Mais segurança econômica e jurídica para investimentos

Para Jeferson Straatmann, analista sênior em economia da sociobiodiversidade do Instituto Socioambiental (ISA), a GIB oferece um nivelamento do entendimento acerca da bioeconomia que favorece a captação de recursos para as agendas de conservação e restauração ecológica em diferentes países. “Esse alinhamento internacional cria um novo paradigma e uma segurança econômica e jurídica, além de direcionar as fontes de financiamento”, analisa.

Luiz Brasi Filho, gerente da Origens Brasil, rede que promove negócios entre empresas e os povos da Amazônia, opina que o acordo multilateral foi um passo importante, mesmo sendo não vinculante. “Apesar de não representar obrigações para nenhuma das partes, a iniciativa traz algo importante: diretrizes e caminhos de discussão para debates internacionais e políticas internas”, diz. 

Segundo o relatório “Financiando uma Bioeconomia Global Sustentável”, lançado um dia após a GIB, o valor gerado pela bioeconomia ao redor do mundo é de cerca de US$ 4 trilhões. Estima-se que, até 2050, esse valor pode alcançar a meta de US$ 30 trilhões. Apenas no Brasil, caso a bioeconomia seja implementada na produção nacional, o faturamento industrial pode chegar a US$ 284 bilhões ao ano no mesmo período, segundo estudo da Associação Brasileira de Bioinovação. 

Amazônia: centro econômico da bioeconomia

Quando se trata de bioeconomia, a Amazônia brasileira tem um papel central. De acordo com o relatório Nova Economia da Amazônia (NEA), publicado em 2023, as atividades desenvolvidas na região que têm como base a manutenção da floresta em pé, geram atualmente um PIB de pelo menos R$ 12 bilhões ao ano. “Esse valor, contudo, muitas vezes é invisibilizado pelo alto índice de informalidade das relações construídas na Amazônia”, explica Brasi Filho. 

Segundo a NEA, o potencial de bioeconomia da região é ainda maior. Com investimentos em conservação e expansão dos ativos naturais e adaptação da agropecuária e da matriz energética à baixa emissão de carbono, o PIB da Amazônia até 2050 poderia ser R$ 40 bilhões superior àquele promovido pelo modelo atual. Além disso, estima-se que seriam gerados 312 mil empregos adicionais, e preservados  81 milhões de hectares de florestas.

Foto: Amanda Magnani

Para que isso aconteça, contudo, o estudo aponta que a bioeconomia amazônica deve ser capaz de se ajustar à biocapacidade do bioma, respeitando os complexos equilíbrios ecológicos que garantem a saúde da floresta. Em nota, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) destaca quatro pilares que devem nortear uma bioeconomia verdadeiramente amazônica: compromisso com desmatamento zero; diversificação dos métodos de produção, valorizando a biodiversidade e sistemas produtivos sustentáveis; preservação dos conhecimentos e métodos tradicionais de produção; e a repartição equitativa dos benefícios oriundos da bioeconomia com as populações que detêm e protegem a sociobiodiversidade regional.

Mas os desafios para desenvolvimento da bioeconomia na região vão desde a ausência de políticas que permitam agregação de valor, até a falta de infraestrutura para estoque, beneficiamento e transporte de diferentes produtos. 

Em coluna no portal Ecoa, o cientista Carlos Nobre, um dos mais renomados climatologistas brasileiros, diz que a bioindustrialização pode ser um caminho estratégico para agregar valor aos produtos nativos da Amazônia. Nobre propõe uma abordagem concentrada em três pilares: agregação de valor à matéria-prima, biotecnologia e biomimética.

O climatologista destaca que o valor de produtos da floresta pode aumentar em até cinco vezes com um pré-processamento, mas que mesmo com os incentivos fiscais da Zona Franca de Manaus e do Polo Industrial de Manaus, “mais de 80% dos municípios da Amazônia brasileira carecem de infraestrutura industrial básica para agregar valor aos produtos regionais de sua biodiversidade”, comentou. 

Para Straatmann, contudo, é necessário olhar para a bioeconomia da Amazônia sob uma outra perspectiva. “Outras indústrias também investem em equipamento e tecnologia. Se olharmos para a economia da Amazônia apenas como uma economia de produtos, ela jamais será competitiva. É preciso uma perspectiva de produtos, conhecimentos, inovação e serviços de conservação”, propõe. 

Mais do que isso, Straatmann defende que é necessário “criar mecanismos financeiros para que isso aconteça a partir da sua dinâmica de modo de vida e de conhecimento tradicional, e não a partir de uma perspectiva colonial”.

Para Brasi Filho, o Estado brasileiro “precisa fazer uma escolha estratégica e colocar de fato a economia como um modelo de desenvolvimento”, uma escolha que, segundo ele, não foi feita. Assim como Straatmann, ele aponta que embora o Brasil esteja criando políticas para o desenvolvimento sustentável, elas seguem em uma posição periférica diante da prioridade dada a investimentos em combustíveis fósseis e no agronegócio baseado na monocultura. 

Diante dessa realidade, iniciativas como os dez altos princípios sobre bioeconomia podem representar uma mudança internacional nos paradigmas econômicos, atraindo mais investimento para as atividades que se desenvolvem de forma a manter a sociobiodinâmica da floresta. Mas para Brasi Filho, as transformações concretas dependem das políticas a nível nacional: “Se essa agenda é vazia ou não, só o tempo vai dizer”.

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