O Brasil se comprometeu a reduzir, até o ano 2035, de 59% a 67% das emissões de gases de efeito estufa, na comparação com os níveis de 2005. A meta é apresentada na Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC, em inglês), que é o compromisso climático firmado pelos países signatários do Acordo de Paris. Mas, apesar dos objetivos ambiciosos, os incentivos aos combustíveis fósseis ainda predominam na cadeia produtiva nacional.
De acordo com dados do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), hoje são R$ 81,9 (cerca de 16,38 bilhões de dólares) bilhões em subsídios para combustíveis fósseis, contra apenas R$ 18,06 bilhões (3,61 bilhões de dólares) para renováveis. Ou seja, 81,9% dos incentivos fiscais oferecidos pelo governo federal para o setor de energia são direcionados para os fósseis.
Para realizar o monitoramento, o Inesc levou em conta todas as formas de subsídios, incluindo isenções tributárias, despesas diretas e outras concessões fiscais, abrangendo tanto o consumo quanto a produção de energia.
Petróleo e gás também levaram vantagem na última edição do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O governo federal pretende investir pelo menos R$ 335 bilhões em projetos de petróleo e gás nos próximos anos. No total, 61% do investimento no eixo do programa intitulado “transição e segurança energética” ficou para os petróleo e gás.
Questões como a tentativa, por parte da Petrobrás, de exploração de novos poços perfurados na foz do rio Amazonas, apesar da negativa do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), ditam o tom da falta de compasso entre o compromisso de descarbonização e o incentivo ao setor dentro do próprio governo.
“Isso acontece porque, dentro de um governo, com pessoas políticas, temos um Ministério do Meio Ambiente competente e capaz, mas não consegue penetrar nas decisões de outras pastas, como a Agricultura e Minas e Energia”, aponta Carlos Bocuhy, presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental.
O peso econômico da exploração de petróleo e gás conta a favor do setor nas decisões governamentais. Segundo a Confederação Nacional das Indústrias, o setor de petróleo e gás emprega mais de 21 mil pessoas, e as exportações representam 10,3% da participação do PIB industrial.
“O Brasil é um grande produtor de commodities. Além do setor do agrícola, mais recentemente, temos um destaque do setor de extração de petróleo de gás, devido ao aumento expressivo da produção do setor. Hoje somos exportadores líquidos. Há 10 anos éramos importadores”, afirma a economista Silvia Mattos, coordenadora do FGV/Ibre.
Beneficiado por subsídios, setor planeja expansão
Em 2023 o Brasil arrecadou mais de R$ 420 milhões em um leilão com mais de 190 blocos exploratórios, localizados por diversos estados, como o Amazonas, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte. As empresas vencedoras, entre elas, a Petrobras, prometeram mais de R$ 2 bilhões em investimentos.
Com os arremates deste leilão, a estatal agora tem uma área exploratória de 50 mil km², espalhada pela costa brasileira, o que equivale a praticamente a 33 cidades de São Paulo em extensão territorial.
Entre alguns especialistas, o episódio foi chamado de “leilão do fim do mundo”.
“Deveríamos ter um plano de descarbonização bem claro. O Brasil precisa intensificar a produção de biocombustíveis, controlar o desmatamento e promover a agricultura de baixo carbono. Temos mais facilidade do que países dependentes de carvão. Precisamos de um plano claro para liderar pelo exemplo”, aponta Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e conselheira sênior do Observatório do Clima.
A Petrobras perdeu o monopólio da exploração no final do século XX. Desde então o país realizou mais de 30 licitações para novas perfurações em blocos. Neste período, a produção cresceu de 970 mil barris por dia para 3,5 milhões por dia. Mas a conta está chegando.
“Ao intensificar a produção de combustíveis fósseis, o país está caminhando na direção contrária ao que deveria fazer. Isso gera um ônus que será compartilhado por todos nós. Em 2024, vemos inundações no Rio Grande do Sul e seca na Amazônia. Temos demonstrações claras de que a crise chegou. Não estamos fora dessa realidade, é uma verdadeira tragédia. Todos os países, em seu esforço, deveriam estar intensificando os esforços para reduzir os gases do efeito estufa”, complementa Araújo.
No plano estratégico que mira os investimentos da Petrobras até 2028, a companhia pretende investir US$ 73 bilhões em exploração e produção de petróleo, contra apenas US$ 9 bilhões em aplicações para energia de baixo carbono, além de reduzir em 30% a intensidade de emissões de gases do efeito estufa do portfólio até 2030.
“A Petrobras precisa ser uma empresa de energia, não apenas petroleira. Quando falamos em energia renovável, a empresa deveria ter um cronograma sério e ser líder num processo de descarbonização”, pontua Araújo.
Procurada pela reportagem, a Petrobrás não se manifestou.
Reforma tributária pode mudar o cenário
Em 2017 foi sancionada a Lei 13.586 que consolidou e ampliou os benefícios fiscais do Repetro, um regime aduaneiro especial para a indústria de petróleo e gás fóssil. A lei garante a tributação especial para petrolíferas pelo menos até 2040. Com isso, investimentos na exploração de óleo e gás ficam isentos de pagamento de impostos, como por exemplo de importação e contribuição para a seguridade social.
Segundo o Ministério de Minas e Energia (MME), o Repetro é o principal subsídio para fósseis atualmente. A pasta defendeu, em nota, que o regime especial consiste em um “adiamento estratégico da cobrança de impostos para o momento em que os projetos começam a gerar receita”, viabilizando projetos de grande escala.
Já o projeto de reforma tributária, aprovado pela Câmara dos Deputados e que neste momento tramita no Senado, traz um aumento na tributação dos fósseis. O projeto prevê que o setor entre na regra do Imposto Seletivo, popularmente conhecido como “Imposto do Pecado”, que tem por objetivo tributar bens ou serviços que sejam prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. Entidades da sociedade civil veem o momento como “uma oportunidade histórica de redirecionar e focalizar incentivos tributários à transição energética justa”. Já para o Instituto Brasileiro de Petróleo (IBP), esse percentual de tributação tiraria a competitividade nacional comparada ao mercado global.
Para ampliar investimentos em economia de baixo carbono, mirando na transição energética, o Banco Nacional de Desenvolvimento (Bndes) aumentou seu investimento em projetos renováveis. “O BNDES possui um portfólio de US$ 36,4 bilhões em renováveis, financiados nas últimas duas décadas, sendo o maior banco financiador de energia renovável no mundo”, diz Luciana Costa, diretora de transição energética do banco estatal.
A diretora acredita que a transição energética precisa ser justa, por isso o país ainda precisa manter investimento em combustível fóssil. “O setor de óleo e gás não é incompatível com a transição energética. O mundo não vai abandonar o petróleo rapidamente, precisamos de uma transição gradual para garantir a segurança energética”, opina Costa.
Já o MME alega que que o Brasil possui a maior participação de energia limpa entre os países do G20 e que o governo Federal reonerou os combustíveis, como a gasolina e o diesel, retomando as alíquotas de PIS, COFINS e CIDE, zeradas durante a gestão presidencial anterior, alterando um ‘subsídio’ de R$ 40,6 bilhões em 2022, para arrecadar mais de R$ 50 bilhões neste ano.
A pasta cita ainda que o país também tem um Plano Nacional de Transição Energética (Plante). “É um plano de longo prazo, compatível com cenários de transição energética e requisitos de desenvolvimento socioeconômico”, afirmou.