Em comunidades desassistidas pelo poder público, postes fotovoltaicos são uma luz no fim do túnel

No estado brasileiro de Minas Gerais, duas comunidades se articulam com a sociedade civil para responder a uma demanda urgente de iluminação pública.

Na comunidade Guarani Kaiowá, carinhosamente conhecida como GK, na periferia da cidade de Contagem, Minas Gerais, no Brasil, a escuridão das noites era uma das maiores preocupações dos moradores. A falta de iluminação pública na ocupação urbana, que existe desde 2013, acarreta uma série de adversidades. 

Mas, desde fevereiro, a implementação de postes fotovoltaicos vem transformando essa realidade.  

“Nossa maior preocupação era com a segurança das crianças e das mulheres”, lembra Naiara Rocha, liderança da comunidade, pontuando que, na escuridão, era perigoso transitar. “A gente tinha muito medo de estupro e da violência que anda solta”, conta.

Naiara Rocha caminha em direção ao centro comunitário em GK. Foto: Amanda Magnani
Naiara Rocha caminha em direção ao centro comunitário em GK. Foto: Amanda Magnani

Atualmente, GK é o lar de cerca de 330 famílias. Há aproximadamente cinco anos, por meio do projeto Geração GK, essas famílias vêm identificando demandas e lutando por melhorias para a comunidade. Naiara, uma das fundadoras do projeto, trabalha na mobilização de moradores, que busca apoio de entidades da sociedade civil, como ONGs, Universidades, dentre outras, na busca por melhor qualidade de vida e justiça social para os moradores.  

Um dos frutos dessa articulação é o projeto Raio de Luz, criado em 2022. A iniciativa é uma parceria entre a Geração GK, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a ONG TETO, com o intuito de remediar os riscos da falta de iluminação pública. 

Várias hipóteses foram levantadas com o objetivo de se chegar a uma solução para a falta de energia, que penalizava as famílias. Uma série de fatores levou à escolha pelos postes fotovoltaicos. Além de serem uma alternativa de energia renovável, eles possuem custo acessível, são de fácil instalação e são autônomos, trazendo independência à comunidade. 

Poste fotovoltaico na comunidade GK. Foto: Amanda Magnani
Poste fotovoltaico na comunidade GK. Foto: Amanda Magnani

Mais segurança e possibilidades

Antes da chegada dos postes fotovoltaicos, moradores tentavam remediar o problema com lâmpadas ou refletores instalados do lado de fora de suas casas. “Mas era pouco claro, né? A gente conseguia enxergar alguns pontos da rua, mas outros não”, conta Naiara. 

Hoje, a situação é diferente. A claridade dos postes permite não só enxergar o caminho, como também outras pessoas que estejam passando. Um dos grupos beneficiados é o de trabalhadores e trabalhadoras que precisam sair de madrugada, ou chegam tarde em casa. 

“Minha maior preocupação era com meus filhos à noite. Hoje, eu já posso até pedir para a minha filha ir até à padaria e ficar tranquila. A mobilidade ficou mais acessível para a comunidade”, conta. 

Naiara Rocha. Foto: Amanda Magnani
Naiara Rocha. Foto: Amanda Magnani

Ao todo, a iluminação fotovoltaica foi instalada em nove postes de madeiras espalhados por diferentes ruas da comunidade. Cada um deles atua de forma independente, com uma pequena placa solar que é carregada durante o dia, e alimenta a lâmpada que permanece acesa durante toda a noite. 

Para viabilizar a  instalação, foi feito um treinamento que combinou orientações do manual da ONG Litro de Luz, especializada em soluções de iluminação para regiões sem acesso à energia elétrica, com os conhecimentos e experiências dos próprios moradores.

“Nesse dia, nós mobilizamos pessoas da comunidade, e vieram os voluntários da TETO. Foi um dia muito especial”, relembra. “Você via mulher carregando poste de madeira no ombro, ajudando a cavar buracos. Foi emocionante”, conta Naiara.

Naiara Rocha, na frente de sua casa na comunidade GK, onde foi implementado um dos postes fotovoltaicos. Foto: Amanda Magnani
Naiara Rocha, na frente de sua casa na comunidade GK, onde foi implementado um dos postes fotovoltaicos. Foto: Amanda Magnani

Comunidade se prepara para replicar projeto

Com os bons resultados, o projeto Raio de Luz  já está sendo replicado, com o apoio da TETO, em outra comunidade: a ocupação Terra Nossa, no bairro Taquaril, na capital Belo Horizonte. 

Localizada em uma região de serra, a comunidade é cortada por caminhos íngremes, de terra, que mesmo à luz do dia são escorregadios. Lá, a falta de iluminação pública também é uma das principais demandas dos moradores. Cerca de 250 famílias vivem na região. 

Rua da comunidade Terra Nossa. Foto: Amanda Magnani
Rua da comunidade Terra Nossa. Foto: Amanda Magnani

“Nós estamos cansados de ver pessoas escorregando e caindo nas ruas, principalmente quando chove. De noite, não dá para enxergar onde você está pisando; às vezes você precisa usar a lanterna do celular”, conta Rosilda da Conceição Silvestre, moradora da comunidade. “Como as ruas não são pavimentadas, a gente também fica com medo de bicho, de escorpião, de aranha. Tem gente aqui que já chegou a pisar em cobra”, acrescenta. 

Como em GK, moradores de Terra Nossa também recorrem a lâmpadas simples, voltadas para as ruas. Mas por lá isso também não resolveu o problema.

Rosilda da Conceição Silvestre, na rua de sua casa na comunidade Terra Nossa, onde não há iluminação. Foto: Amanda Magnani
Rosilda da Conceição Silvestre, na rua de sua casa na comunidade Terra Nossa, onde não há iluminação. Foto: Amanda Magnani

“Infelizmente, como nossa eletricidade não é regularizada, quando chega aqui em cima, a carga é bem menor, há uma queda de tensão ao longo do caminho”, conta Adalberto Gleidson Vieira, eletricista e morador da comunidade. Ele explica que isso leva a frequentes oscilações e quedas de energia. 

Johil Cristóvão de Sena Silva, assistente social e morador de Terra Nossa, conta que a comunidade recebeu com empolgação a proposta do projeto, e já se preparou para fazer a implementação dos postes, que em breve devem ser entregues pela ONG. Assim como em GK, foram meses de reunião para definir o número de postes e os locais prioritários. Agora, esperam o material e a chegada dos voluntários que irão apoiar os moradores na implementação. 

“Aqui, nós não temos pressa. Temos urgência”, diz. 

Adalberto Gleidson Vieira (no celular) e Johil Cristóvão de Sena Silva caminham por uma das ruas onde será implementado poste fotovoltaico. Foto: Amanda Magnani
Adalberto Gleidson Vieira (no celular) e Johil Cristóvão de Sena Silva caminham por uma das ruas onde será implementado poste fotovoltaico. Foto: Amanda Magnani

“A verdade é que a luz é um direito, mas nós somos desassistidos pelo governo. Então, quando a TETO veio trazendo essa proposta dos postes fotovoltaicos, foi literalmente uma luz no fim do túnel”, declara Adalberto Gleidson.   

Uma resposta emergencial

Postes fotovoltaicos representaram melhorias consideráveis para a comunidade GK, e a expectativa é que também seja assim para os moradores de Terra Nossa.  Mas ainda há problemas não resolvidos.  

Por se tratar de um projeto de uma organização sem fins lucrativos, que depende de financiamento, os recursos são limitados, e o alcance também. Em GK, os postes fotovoltaicos iluminaram locais onde vivem cerca de 50 das mais de 300 famílias. 

E a maior prova para a iluminação fotovoltaica no local ainda está por vir. O período de chuvas, que se aproxima, é a época em que as comunidades ficam mais vulneráveis, especialmente em áreas não pavimentadas. É, também, um período com menos luz solar para alimentar os postes. Para a comunidade de GK, que não possui planos para a manutenção dos postes, o período pode ser ainda mais desafiador. 

Para Ana Laura Souza Vargas, auxiliar de pesquisa da FGV, embora a instalação dos postes fotovoltaicos tenha sido muito eficiente, gerando uma enorme diferença na vida das comunidades, a solução precisa ser encarada como emergencial. 

Em uma das ruas da comunidade GK onde não há iluminação, moradores colocaram um refletor. Foto: Amanda Magnani
Em uma das ruas da comunidade GK onde não há iluminação, moradores colocaram um refletor. Foto: Amanda Magnani

“O projeto Raio de Luz chega como uma resposta emergencial. Ainda é preciso que o poder público entregue uma iluminação digna para essa população”, opina. 

Pedro Castro, coordenador de atuação territorial da TETO em Minas Gerais, concorda que a solução existe porque falta justiça energética. “A partir do momento em que o poder público não atende essas comunidades, elas se organizam e buscam apoio da sociedade civil para atender suas necessidades básicas”, diz. “É aquela coisa de ‘a gente faz o nosso próprio corre’”.

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