Uma infinidade de cores, estampas e texturas ocuparam os corredores e ruas da Expo 2020 em Dubai ao longo das duas semanas da COP 28. Indígenas das mais diferentes partes do mundo ostentavam suas roupas e pinturas corporais tradicionais, ao lado de elegantes mulheres muçulmanas cujos trajes de tecidos leves ondulavam ao caminhar, e de homens de terno das mais variadas etnias.
“Isso aqui é um recorte do mundo”, diz Camila Aragão, consultora em acessibilidade e membro da rede Vozes Negras pelo Clima.
Aos olhos leigos, a diversidade de pessoas que circulou no que foi a maior e mais “extravagante” conferência do clima até hoje pareceu comprovar o cumprimento da promessa feita pelo presidente da COP 28, Sultan Al-Jaber de que esta seria a mais acessível e inclusiva da história.
De fato, os presentes atestaram a existência de esforços concretos nesta direção, muitos deles parte de um processo que já vinha acontecendo ao longo das últimas COPs. Ao mesmo tempo, contudo, ativistas também assinalaram a insuficiência no resultado de muitos desses esforços.
E ela não foi a única a perceber melhoras no tratamento aos indígenas nas conferências climáticas. “Uma coisa específica que melhorou consideravelmente em relação ao ano passado, na COP 27 em Sharm El-Sheik, no Egito, foi a qualidade dos espaços dedicados para os povos indígenas”, diz Brianna Gordon, do povo Wiradjuri da Austrália.
“Não sei se houve mais encontros para preparar os funcionários, mas este ano, eu me senti muito bem ao passar pela segurança”, diz Mesiah Burciaga Hameed, do povo Quechuan dos Estados Unidos. “Ao contrário de anos anteriores, senti menos assédio em relação aos nossos itens sagrados, o que em anos anteriores sempre foi um problema”, acrescenta.
Ela conta que, naquela ocasião, mesmo se tratando de uma região desértica, com altas temperaturas, o espaço oferecido para que os povos indígenas internacionais se reunissem foi uma tenda do lado de fora.
“Quando o ar condicionado estava ligado, era impossível escutar uns aos outros. Mas, quando estava desligado, era impossível ficar dentro da tenda, por causa do calor. Além disso, estávamos muito próximos do aeroporto, com aviões frequentemente sobrevoando nossas cabeças, o que também gerava ruídos que dificultavam a comunicação”, relembra.
Já este ano, o espaço disponibilizado para as delegações indígenas estava muito mais próximo ao padrão de qualidade necessário para as reuniões. O chamado “Pavilhão Indígena Internacional” foi alojado no terceiro andar de um dos prédios da Expo 2020, espaço compartilhado com outros pavilhões como o de Justiça Climática.
“Na COP 27, o espaço não nos permitiu alcançar o nível de discussões que pretendíamos. Já este ano, na COP 28, como tínhamos um espaço mais adequado, conseguimos avançar muito mais nos debates”, conta Gordon.
Mas apesar das melhorias, o acesso a determinados espaços foi muito restrito para alguns grupos.
Gordon sentiu isso na pele ao não conseguir entrar em uma sala onde estava sendo realizada uma reunião da juventude indígena internacional. Diante da porta fechada, um segurança explicava que não era permitido assistir à reunião de pé, e que todas as cadeiras já haviam sido ocupadas.
“Infelizmente, o que aconteceu naquela ocasião foi um problema logístico. Muitos eventos acabam tendo uma participação muito maior do que o esperado e, como resultado, não há espaço suficiente para todos que querem estar presentes. Isso é uma pena, porque, muitas vezes, só negociadores ou pessoas influentes entram nas salas, e as pessoas que deveriam estar ali dentro acabam não conseguindo participar”, diz Gordon.
Segundo Ana Paula Souza, oficial de direitos humanos do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), houve um esforço por parte dos organizadores da COP 28, que garantiram tickets para que pelo menos uma pessoa por constituinte pudesse entrar em salas de negociação, independente de já estarem cheias.
Mas ela também aponta para o fato de que algumas das salas eram muito pequenas. “Podemos falar que foi feito um esforço. Ao mesmo tempo, é verdade que as salas poderiam ser maiores”, diz.
Para pessoas com algum tipo de deficiência, os espaços da COP 28, e os eventos organizados dentro deles foram ainda mais excludentes.
“A COP foi muito inacessível”, diz Aragão. “Quem não tem experiência ou a vivência do corpo com deficiência acha que o espaço aqui é super acessível. Mas muitos prédios não tem rampas, os espaços nem sempre têm a largura necessária para a mobilidade das pessoas que usam cadeira de rodas, não tem pista tátil ou avisos sonoros”, acrescenta.
Mas as maiores dificuldades foram encontradas por pessoas com deficiências auditivas. “O déficit na inclusão foi sentido, e esteve especialmente evidente para esse grupo”, diz Adão Ramos, membro da Comissão Técnica da Federação Angolana das Associações de Pessoas com Deficiência (FAPED).
“Foi de fato constrangedor ver essas pessoas não se sentirem incluídas e não poderem participar plena e efetivamente dos eventos, porque não se prestou atenção à necessidade de interpretação à linguagem gestual”, diz Ramos. “É por isso que eu defendo a participação e o envolvimento pleno e efetivo das pessoas com deficiência lá onde se pensam e se tomam decisões que afetam a vida de todos”, acrescenta.
Ele não está sozinho nessa demanda. Em uma sala cheia de negociadores e delegados, a ativista Lisa NoBaya questionou sobre que cara tinha a inclusão na COP 28: ser inclusivo significa que diversas vozes estão simplesmente presentes, ou que elas estão participando ativamente das negociações?
“Muitas vezes, a questão com a acessibilidade não diz respeito a se você consegue ou não entrar nas salas onde são tomadas as decisões, mas sobre se aquele espaço realmente possibilita o debate”, diz Gordon.
Ela explica que, no caso dos povos indígenas, os esforços para inclusão vêm crescendo desde o Acordo de Paris em 2015, na COP 21, com a criação de mecanismos como a Plataforma de Comunidades Locais e Povos Indígenas (LCIPP na sigla em inglês). “A plataforma foi criada como uma forma de transferir os conhecimentos tradicionais indígenas para dentro da UNFCCC”, diz.
Entre os principais objetivos da LCIPP estão o engajamento dos povos originários e comunidades locais nos processos e instâncias da UNFCCC; a promoção da troca de experiências e boas práticas baseadas no conhecimento tradicional; e a ajuda na integração deste conhecimento tradicional em ações, programas e políticas nacionais e internacionais.
Contudo, embora o mecanismo tenha um papel significativo ao criar pontes e o compartilhamento de experiências entre povos indígenas de todo o mundo, o alcance da LCIPP é extremamente limitado.
“A LCIPP não é eficaz no sentido de realmente proporcionar aos povos indígenas uma voz forte dentro da UNFCC, especialmente porque embora o Acordo de Paris determine a sua existência, não existe nenhuma determinação quanto ao que precisa ser feito em relação às demandas que apresentamos. Não são nem mesmo obrigados a nos responder”, explica Gordon.
Para Sara Omi, advogada defensora do povo Ipeti Emberá do Panamá e presidente da Coordenadora de Mulheres Líderes Territoriais da Mesoamérica, a contribuição dos povos indígenas e especialmente das mulheres ainda não é reconhecida.
“Sinto que ainda não conseguimos encontrar uma forma de quebrar essas barreiras e chegar aos temas das discussões de alto nível. Às vezes acabamos entrando apenas nos eventos paralelos, porque é onde consideramos que seremos ouvidos” diz Omi.
“A verdade é que há um limite no que pode ser feito para incluir os povos indígenas e as vozes indígenas num sistema que só reconhece verdadeiramente as vozes dos Estados”, diz Gordon. Ela explica que, para países como o Brasil ou ilhas do Pacífico, onde lideranças indígenas têm alcançado maior representação governamental, a participação nas negociações tem sido mais inclusiva. Mas, no caso dos demais países, essas populações continuam participando apenas nas reuniões da LCIPP e nos eventos paralelos.
“Quando se trata dos encontros e negociações oficiais, onde as decisões sobre o futuro das ações climáticas são tomadas, as vozes indígenas não estão sendo ouvidas. E elas continuarão não sendo ouvidas enquanto o sistema da UNFCCC não passar por mudanças que permitam que lideranças indígenas tenham representações externas às delegações governamentais dos seus países”, diz Gordon.
Para ela, a conclusão é clara: “Eu não acredito que seja possível alcançar uma inclusividade verdadeira dentro do atual sistema.”