Reúso de águas cinzas pode evitar que recursos financeiros e ambientais desçam “pelo ralo” na indústria brasileira

A água coletada antes de ir para o esgoto, em alguns casos, pode ser utilizada para diversos fins em instalações industriais. Com incentivo previsto em legislação recente, o reúso de água pela indústria, se aprimorado, pode gerar economia e evitar que a água residual volte para natureza sem tratamento.

Uma água que tinha como destino o ralo passou a ser considerada como parte das estratégias de combate à escassez hídrica por meio do reúso, para fins não potáveis, em diferentes setores da indústria. Classificada como Água Cinza (AC), ela é coletada, principalmente, da lavagem das mãos e do banho. 

Desde 14 de abril de 2023, a Lei Federal n.º 14.546 está em vigor e prevê o incentivo às “medidas de prevenção a desperdícios, de aproveitamento das águas de chuva e de reúso não potável das águas cinzas”. A legislação reforça que “as águas cinzas passarão por processo de tratamento que assegure sua utilização, previamente à acumulação e ao uso”. 

De acordo com publicação da Agência Nacional de Águas (ANA), são necessárias “pesquisas para se calcular o subindicador de tratamento de águas industriais residuais”. No Brasil, o dado utilizado para o cálculo de águas residuais tratadas de forma segura vêm de pesquisas feitas com os prestadores de serviço nos municípios. No entanto, o país “não apresenta dados sistematizados, em âmbito nacional e regional, referentes ao tratamento de efluentes industriais”. A ausência de dados é um indicador de que este é um campo ainda pouco explorado. 

No Brasil existem 346.105 indústrias que pagaram R$ 4.387.611 (cerca de 800 mil dólares) com gastos de consumo da água e esgoto, por ano, segundo dados da última pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Estima-se que as indústrias de transformação retirem da natureza um volume de 190,52 m³/s (metros cúbicos por segundo) de água, e as indústrias extrativistas, aproximadamente, 31,62 m³/s. 

Águas Cinzas oriundas do lavabo e do banho são aptas para reúso industrial. Foto: Pixabay

Para o professor e chefe do departamento de engenharia sanitária e ambiental da Universidade do Mato Grosso (UMT), Jhonatan Barbosa da Silva, “o reúso de águas cinzas nas indústrias traz uma série de benefícios estratégicos, tanto do ponto de vista financeiro quanto ambiental. Em primeiro lugar, pode-se reduzir o consumo de água potável, aliviando a pressão sobre os recursos hídricos, o que é importante em regiões com escassez de água. Esse reaproveitamento também pode gerar economia nos custos operacionais, pois pode reduzir as despesas com a aquisição de água tratada e as taxas de descarte e tratamento dos efluentes”.

Silva ainda destaca que “adotar o reúso contribui para a sustentabilidade corporativa, fortalecendo a imagem da empresa perante o mercado e investidores, que cada vez mais valorizam práticas ambientais responsáveis”.

Estrutura para tratamento das águas cinzas pode ter retorno de investimento em até 12 meses

De acordo com Luciano Silva de Souza, engenheiro químico e proprietário da BWT Engenharia, empresa especializada em projetos, instalação e monitoramento de Estações de Tratamento de Águas Cinzas (ETACs) os custos com a infraestrutura exigida por lei é um dos fatores que causa resistência dos empresários em aderir ao reúso. “Tende a olhar para o valor apresentado e não olha para o retorno que ele vai ter em pouco tempo”, afirma Souza.

O profissional exemplifica que “uma indústria [nova] de grande porte, com mil e quinhentos, dois mil funcionários, tem uma geração de água cinza superior a 5.000 m³ por hora”. Ao ser tratada para reúso, o especialista indica que a economia “já começa a refletir em [cerca de] 40 mil reais [aproximadamente 7 mil dólares] todos os meses”. 

Estação de Tratamento de Água Cinza com tratamento físico-químico e biológico. Foto: BWT Engenharia

Outra vantagem de haver uma estação em um novo parque industrial é o retorno do investimento em um curto período. “Se a gente colocar os custos de manutenção e de energia elétrica, em 8 a 12 meses, eu consigo um payback (retorno), o que é viável aos setores industriais”, destaca Souza. 

Os projetos de Estações de Tratamento de Águas Cinzas (ETACs) exigem obras com tubulações distintas da rede de distribuição pública e da água potável para mitigar riscos, conforme indica a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Quando a indústria é mais antiga e já tem a sua infraestrutura, os custos são mais elevados. “A parte mais complicada é para as indústrias já montadas, pois a infraestrutura fica inviável ao ter que quebrar muitas partes [para as novas tubulações] e o custo pode ser até 7 vezes mais”, reforça Souza.

Tanque de retrolavagem para tratar águas cinzas antes do reúso. Foto: BWT Engenharia

Uma das principais recomendações de órgãos regulatórios e ambientais do Brasil é realizar desde o projeto até as análises de qualidade das águas de reúso com profissionais capacitados. 

“Embora o reúso de águas cinzas ofereça diversos benefícios ambientais, é importante reconhecer que, se não for feito de maneira adequada, pode trazer alguns perigos ao meio ambiente e à saúde humana”, pontua Silva. 

Souza realiza o tratamento das águas cinzas via métodos físico-químicos e biológicos com ajustes nas dosagens, conforme determinam as normas e leis vigentes.Com isso, a indústria consegue reutilizar essa água tratada no “vaso sanitário, que tem mais gasto [de água], pode também ser utilizada para regar o jardim, lavagem de pátio e, se conseguir a classe 1, pode ser instalado um lava-rápido para lavar a frota”, indica o profissional.

Outro sistema permitido no Brasil é o Wetland construído, que utiliza plantas flutuantes, submersas ou que sejam enraizadas em combinação com tanques ou valetas impermeabilizadas. Para Silva “tanto o tratamento físico-químico de águas cinzas com produtos químicos quanto o uso de sistemas de tratamento com plantas naturais filtrantes podem ser seguros para a indústria, desde que projetados e operados corretamente”.

Além das águas cinzas: outros tipos de reúso e tratamentos de água

Além das águas cinzas, outros tratamentos podem ser realizados tanto para o reúso quanto para tratamento da água.

Um deles é a reciclagem de efluentes, que consiste em tratar o efluente antes do lançamento no curso de um rio, algo que a indústria já possui tecnologia para realizar. 

Um exemplo de empreendimento do tipo é Aquapolo, empresa que trabalha com a produção de água de reúso, que fornece para o Polo Petroquímico de Capuava e indústrias da Região do ABC Paulista. O presidente-diretor, Márcio da Silva José, indica que o empreendimento “é capaz de tratar e fornecer até 1.000 litros por segundo de água reciclada. Atualmente, a capacidade instalada é de 650 litros por segundo e a empresa fornece cerca de 400 litros por segundo de água reciclada aos seus clientes”. Ele explica que o tratamento ocorre em conjunto com a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp).

Teste de turbidez da água cinza tratada demonstra que está apta para reúso. Foto: BWT Engenharia

“Após o tratamento realizado pela Sabesp, ela devolve o esgoto tratado à natureza. Parte desse esgoto devolvido é desviado para a Aquapolo, que realiza tratamento adicional (nível terciário) para a produção de água reciclada e posterior fornecimento às indústrias da região”, reforça José.

A captação da água da chuva também é uma alternativa viável para a indústria. Em decorrência da poluição atmosférica, bem como outros fatores de contaminação, essa água também precisa de tratamento antes de ser adequada para o reúso.  

Por fim, o tratamento de efluentes gerados por processos industriais são outros meios de reúso. É o que faz, por exemplo, o Grupo Malwee, que possui uma unidade industrial na cidade de Pacajus, no Ceará. Luiz Thiago Ribeiro de Freitas,  gerente industrial, comenta que “após tratada, toda a água é reutilizada em atividades de irrigação de jardins e limpeza de áreas externas do parque fabril. Já em nossa matriz possuímos um sistema de tratamento capaz de reutilizar até 200 milhões de litros de água por ano no processo produtivo”.

Sistema para tratamento da água de chuva é exigido por legislação brasileira. Foto: BWT Engenharia

Brasil precisa avançar em saneamento básico

Atualmente, o cenário do saneamento básico no Brasil exige um conjunto de esforços, tanto público quanto privado, para superar os desafios de preservação dos recursos hídricos. 

A presidente-executiva do Trata Brasil, Luana Pretto, indica que “temos 32 milhões de pessoas sem acesso à água e mais de 93 milhões de pessoas sem acesso à coleta e tratamento dos esgotos. Historicamente, o volume de investimento sempre foi aquém do necessário”. 

Ela reforça que para atingir as metas de universalização do saneamento, o Brasil precisaria investir “em média R$ 230/ano, por habitante, para cumprir as metas de 99% da população com acesso à água em 90% com coleta e tratamento de esgoto até o ano de 2033, mas hoje investe R$ 111”.

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