A bolsa de valores do Brasil, a Brasil, Bolsa, Balcão (B3) – formada pela fusão entre a Bolsa de Mercadorias & Futuros (BM&F) e a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) -, criou, em 2005, o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE B3), um indicador que serve para dimensionar o comprometimento de empresas com a sustentabilidade.
O índice foi o quarto a ser criado no mundo, o primeiro na América Latina, e foi desenvolvido em parceria com a Global Reporting Initiative (GRI) e o Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getúlio Vargas (FGVces). Quase dez anos depois, será que o ranking pode, de fato, ser uma referência para conhecer empresas sustentáveis?
A entrada e permanência no ISE B3 depende das práticas sustentáveis da empresa, que são verificadas por auditores independentes para garantir a precisão e a qualidade das informações. Além disso, por serem de capital aberto, elas têm a obrigação de oferecer informações completas e transparentes a qualquer público de interesse, por isso elaboram relatórios de sustentabilidade e os disponibilizam.
A metodologia considera o desempenho das empresas em sete dimensões que avaliam, entre outros, elementos ambientais, sociais e econômico-financeiros. Na dimensão ambiental são avaliadas práticas como o comprometimento da empresa perante acordos globais e a transparência das ações de sustentabilidade. Recentemente o tema mudanças climáticas foi incorporado, e são avaliados o compromisso com metas globais, as estratégias e a gestão de riscos relacionados aos impactos da mudança do clima no planeta. As ações são avaliadas de acordo com os seguintes critérios: política (indicadores de comprometimento); gestão (indicadores de programas, metas e monitoramento); desempenho; e cumprimento legal (reporte, no caso da dimensão climática).
Atualmente o ISE B3 é composto por 78 empresas de 36 setores distintos. Mas o ranking não pode ser considerado uma avaliação geral de sustentabilidade de empresas no país, já que nem toda empresa sustentável vai chegar, sequer, a ser listada. Isso porque o índice atribui diferentes pesos para cada empresa, a depender de sua capitalização de mercado – ou seja, quanto mais valiosa é a empresa, maior tende a ser seu peso no índice.
O ISE B3 tem grande visibilidade internacional. É alicerçado no Triple Bottom Line (TBL) – também chamado de Tripé da Sustentabilidade, modelo que considera os aspectos ambiental, social e econômico. O ISE B3 está atualmente em sua 19ª carteira teórica, e é rebalanceado quadrimestralmente e atualizado numa frequência anual.
A participação da empresa no índice é voluntária, são analisadas as práticas apenas das empresas que se interessam em fazer parte. Um dos motivos que leva companhias a aderir ao índice é a visibilidade, já que os fundos de investimentos (sobretudo BlackRock e Vanguard, dois dos maiores fundos internacionais) olham com mais atenção para o grupo para realizar seus aportes. No site oficial, a ferramenta é descrita como uma forma de apoiar “os investidores na tomada de decisão” e de induzir as empresas a “adotarem as melhores práticas de sustentabilidade, uma vez que as práticas ESG (Ambiental, Social e de Governança Corporativa, na sigla em inglês) contribuem para a perenidade dos negócios”.
As empresas top 5 do ISE B3
De acordo com a composição da carteira ISE B3, vigente de maio a agosto de 2024, as 5 empresas que ocupam os primeiros lugares na lista são: Lojas Renner, Vivo, Tim, ENGIE e Copel.
Com valor de mercado variando entre R$ 14,8 bilhões (LREN3) até R$ 78,2 bilhões (VIVT3), baseado nos valores de fechamento do pregão de 30 de abril de 2024 para o rebalanceamento da carteira, as top 5 são empresas com ações sustentáveis reconhecidas pelas auditorias que participam do índice.
Em comum, destacam em seus informes como suas atividades relacionam-se aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) preconizados pela Organização das Nações Unidas (ONU). A palavra “sustentabilidade” é uma das mais frequentes nos relatórios das cinco empresas.
A lojas Renner, hoje na liderança do índice, têm adotado ações sustentáveis para a produção, como o uso de modelos 3D para a criação das peças de novas coleções (a fim de evitar o desperdício de matéria-prima), investimentos no cultivo de algodão agroflorestal, utilização de 100% de papel certificado FSC (Forest Stewardship Council) e criação do primeiro jeans com reciclabilidade.
Já a Vivo figura na lista, entre outros motivos, porque conseguiu manter a meta de 100% de energia elétrica renovável (alcançada desde 2018) e, no ano de 2023, reduziu em 90% as emissões de carbono, quando comparado ao ano de 2015, além de estruturar um programa de incentivo para que seus fornecedores também reduzam as emissões, alcançando 60% de adesão. Além disso, a empresa busca gerir a água utilizada em seu processo produtivo, conseguindo reciclar 97% dos resíduos produzidos decorrentes de sua operação.
Assim como a Vivo, a Tim também atingiu 100% de energia elétrica renovável na operação. A empresa menciona que reciclou 96% dos resíduos produzidos e 98% dos resíduos eletroeletrônicos (equivalente a mais de 1,6 mil kg). Quanto à redução das emissões de carbono, ela diminuiu o uso do consumo de papel, evitando mais de 5 mil tCO2e (tonelada de carbono equivalente), tendo em vista a análise do ciclo de vida da matéria-prima.
Em 2023, a ENGIE reduziu 51,8 MtCO2e (milhões de toneladas de carbono equivalente), elevou em 41% a participação em fontes renováveis e tornou-se a maior geradora de energia elétrica 100% renovável do Brasil. Ela também tem realizado diversas parcerias com empresas para projetos sustentáveis, tais como Embrapa Florestas (conservação de araucárias), Sebrae (áreas agrícolas no Rio Grande do Sul) e Incra (reposição florestal na região de Assú/RN).
A Copel, em quinto lugar no ranking, apresentou 94,07% no indicador da matriz de geração renovável, em 2023, e 85,67% de cobertura com vegetação nativa nas Áreas de Preservação Permanente (APP) de reservatórios – visando a conservação dos mananciais.
Pontos fortes e fracos do ISE B3
O ISE B3 é o primeiro indicativo de quais seriam as empresas mais sustentáveis a se investir, cujos tickers (códigos de negociação em bolsa) já passaram por uma série de filtros para atender aos requisitos de sustentabilidade. Como pontos fortes do índice vale citar que traz transparência, comparabilidade e incentivo à sustentabilidade.
Porém, existe uma desigualdade de acesso ao índice, pelo o fato de nem todas as empresas estarem no Novo Mercado (que é o nível de governança mais alto da B3). Considerando o rebalanceamento mais atualizado do ISE B3 (vigente de maio a agosto de 2024), percebe-se que quanto maior é o valor de mercado da empresa, mais peso terá na participação do Índice. Empresas com valor de mercado abaixo de R$ 1 bilhão (cerca de U$ 177 milhões) podem ter dificuldades para se enquadrar aos critérios do ISE B3. Na carteira atual, apenas Mitre Realty Empreendimentos e Participações S.A. (MTRE3) e Gafisa (GFSA3) conseguiram entrar, ambas pertencentes ao setor de Incorporações.
Algumas empresas deixaram o índice por causa de problemas econômicos, como é o caso da Americanas S.A, em recuperação judicial. Já a Braskem saiu do índice após a situação de emergência de uma mina de exploração da empresa, em Maceió, no estado de Alagoas.
Outro problema do índice é que, mesmo com o processo de auditoria, existe a chance de as empresas se interessarem por participar apenas visando o greenwashing (termo que significa fazer uma propaganda de que algo é sustentável quando na prática não é).
Uso de marketing verde é comum no país
O professor e coordenador do curso de Administração da Universidade PUC Minas, Marco Antônio Machado, mestre em Administração e Estratégia, argumenta que a existência de índices é importante, mas sozinhos eles não pressionam o suficiente por mudanças nas empresas. “O dia em que sustentabilidade for uma regra boa para as pessoas seguirem, (…) uma regra onde as pessoas enxerguem ‘poxa, isso é bom para nós’ (…), nós vamos ter uma sociedade sustentável. Enquanto eu [empresa] estiver a base de índice, eu falo assim ‘como eu consigo fraudar esse índice?’.”
O professor comenta que o greenwashing é uma prática comum no mercado brasileiro. “Você tem muitas empresas que estão mais preocupadas em parecer verde do que propriamente ser sustentável”, afirma. “Se eu realmente for sustentável, talvez eu tenha prejuízo. Como a sociedade acha bonito ser sustentável, eu vou me fantasiar de verde e vou tentar enganar a sociedade. Eu vou vender a minha imagem ou produto a qualquer custo”, constata o professor.
Machado pondera que, para um mercado verdadeiramente sustentável, existe “a necessidade do marketing com responsabilidade social, ou seja, ao atender o cliente, eu estou fazendo bem para ele, mas será que eu estou fazendo bem para a sociedade como um todo? Ou até para ele mesmo, a longo prazo?”
O especialista afirma que são muitos os desafios no contexto atual, com contradições importantes. “A sociedade pede uma coisa e, se a empresa faz, ao invés de premiá-la, eu vou puni-la, pois o produto vai ficar mais caro e eu preciso comprar um mais barato. Isso é contraditório, porque se eu fizer tudo o que a sociedade está pedindo, fecho as portas. Se eu não fizer, eu fecho o planeta a longo prazo”.
O professor destaca que mesmo em setores industriais considerados verdes, o problema permanece. Um exemplo é a cadeia de produção do etanol. “É muito legal, mas eu tenho um sério problema se eu estimulo muito isso, que é a monocultura, que pode prejudicar a biodiversidade, e nós sabemos que ela é fundamental para a nossa sobrevivência”, observa Machado.
Análise dos relatórios revela problemas nas ações ambientais
Um ponto de fragilidade no índice é que mesmo iniciativas consideradas sustentáveis podem ter problemas ambientais. Um exemplo é o caso de arborização urbana de empresas de energia elétrica. As instalações da rede elétrica exigem poda de árvores de grande porte, e uma prática comum no setor é fazer o plantio de arbustos no lugar. A prática é declarada como uma compensação ambiental, mas a ciência mostra que isso na verdade não é equivalente.
José Hamilton de Aguirre Junior, engenheiro florestal e agrônomo, mestre em arborização urbana, compara as escolhas da Copel e da CPFL Energia (CPFE3), duas empresas no ranking. “Ambas têm investido na modernização de suas redes, porém, tenho observado práticas na arborização bastante diferentes entre elas. Sob a rede da CPFL, mesmo na rede primária compacta e secundária isolada, ocorre a predominância de podas drásticas, conhecidas como “U”, “V”, “L” e “rebaixamento”, destruindo a arborização viária, tendo uma consequência muito danosa para o equilíbrio físico e à vida dos exemplares. O manejo da Copel pode ser considerado uma boa referência de atuação e convivência com a arborização e de contribuições à resiliência urbana”, afirma.
Quando perguntado sobre um programa específico desenvolvido pela CPFL, denominado “Arborização + Segura”, Aguirre Junior diz que há pontos que precisam ser revistos. “Mesmo já utilizando uma rede considerada mais moderna e compatível com a arborização de grande porte, que são as árvores que precisamos nas cidades, tenho constatado o fornecimento de mudas de espécies menores, inadequadas, pela empresa às prefeituras onde possui a concessão”, argumenta.
Em nota enviada à Climate Tracker, a CPFL afirmou que “o programa tem o objetivo de manter o equilíbrio entre a arborização urbana, a segurança das pessoas e a qualidade do fornecimento de energia elétrica”. A empresa pondera que “a escolha de espécies adequadas ao convívio com a rede, como araçás, pitangueiras e quaresmeiras, pretende reduzir os riscos de interrupções de energia e acidentes”.
Além disso, a CPFL afirma que quantidade de mudas plantadas é minimamente cinco vezes superior ao número de árvores substituídas, e conta que “em áreas afastadas das redes, a empresa cria espaços de recomposição florestal com espécies maiores, tais como Ipê branco, roxo, Jacarandás, entre outras”, e que “nos últimos três anos, 36% das mudas doadas pelo Programa [viveiro de mudas para prefeituras] foram de espécies de pequeno porte, 39% de porte médio e 25% de grande porte”. A empresa afirmou ainda que os serviços são realizados com autorização ambiental.
Na análise de Machado, no mercado são vários os exemplos de pontos de conflito. O especialista em ESG afirma que um trabalho de marketing mais transparente, ao invés do greenwashing, poderia, inclusive, ajudar as empresas na transição para a sustentabilidade. “Você pode tentar educar, divulgar, realizar um trabalho de relações públicas de que vale a pena você pagar mais, porque o barato pode sair caro em termos de sustentabilidade. Vamos dar esse primeiro passo, é estimular que as pessoas façam. Nós precisamos cuidar do contexto para que a sustentabilidade seja construída”, pontua.