Bioeconomia prospera na terra de Chico Mendes, mesmo sob pressão da monocultura

Trabalhadores extrativistas de Xapuri, no Acre, aplicam a experiência de 35 anos de trabalho organizado para colher bons frutos no manejo, cultivo e venda de produtos da floresta.

Quem olha para a cidade de Xapuri hoje, com o vai e vem tranquilo de bicicletas e crianças brincando, pode até duvidar que o município, localizado no interior do Acre, tenha sido palco de lutas sociais intensas.

Na cidade viveu Chico Mendes, seringueiro que ganhou repercussão internacional por liderar uma luta pela preservação da floresta, frente ao avanço do desmatamento. Foi a partir das ideias dos trabalhadores dos seringais que se desenvolveu o projeto das reservas extrativistas. 

Casa onde viveu Chico Mendes. Foto: Tácila Matos

A consolidação do modelo veio em 1985, com o 1° Encontro Nacional dos Seringueiros, organizado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri. Foi quando surgiu o conceito de um território de conservação, pertencente à União, de uso de comunidades extrativistas – com o objetivo de garantir a permanência da população. 

Mas três anos depois, em 1988, Chico Mendes foi assassinado por fazendeiros contrários à luta pela preservação da Amazônia e aos direitos dos seringueiros. Foi preciso a publicação do decreto federal que formalizava o estabelecimento das unidades de conservação, em 1990, para que os trabalhadores pudessem ter segurança para pensar em sua subsistência dentro do território. O modelo já dura 35 anos e é consolidado como um sucesso que tem em iniciativas como a Cooperxapuri um reflexo do amadurecimento econômico nesse contexto.

Extrativismo que gera renda e futuro

A cooperativa, que organiza cerca de 300 trabalhadores, em sua maioria situados na Reserva Extrativista Chico Mendes (RESEXCM), foi fundada em 2018. Com sede localizada no centro de Xapuri, próximo a casa do líder sindical que dá nome a reserva, eles trabalham com a comercialização de mel de abelha nativa, polpa de frutas, palmito, castanha do brasil e borracha.

O presidente da cooperativa, Sebastião Aquino, diz que o projeto é resultado de iniciativas anteriores que tinham o mesmo objetivo: organizar o trabalho já feito pelos produtores rurais. Em 1988 foi fundada a Caex, cooperativa voltada exclusivamente à borracha e que durou cerca de 15 anos. Após seu fechamento  surgiu a Cópia Floresta, focada no comércio de madeira. Com o encerramento dos trabalhos desta última, a comercialização foi feita a partir de associações de moradores – mas, apesar do auxílio, a estrutura da organização era insuficiente para o objetivo comercial.

Extrativistas reunidos. Foto: Tácila Matos

Aquino, que pertence a uma família de extrativistas e que é cooperado desde a antiga Caex, fala que os outros projetos não perduraram, mas lições de gestão foram obtidas. “Pela experiência que eu fui adquirindo, pela dificuldade no processo de gestão das outras e com os erros, a gente aprendeu a melhorar a situação dessa cooperativa e a gente tem feito isso com muito cuidado”, relatou.

Ele descreve um panorama de alta arrecadação: “A Reserva Chico Mendes produziu no ano passado em torno de 80.000 latas de castanha. Vendeu cada lata por uma média de R$150. Isso representa economicamente em torno de 12 milhões de reais. Se eu somar mais a borracha, então representa um valor maior para essa região. Se juntar toda a produção extrativista aqui da reserva, é maior que a pecuária no município”, conta.

Mercado global impulsiona o extrativismo local

A administração aposta no dinamismo para manter boas arrecadações e estabilidade. Hoje os cooperados contam com o apoio da multinacional brasileira Amaggi, um grupo intermediário de transações entre cooperativa e compradores como Nestlé, Nutrimental e Natura, para os quais fornecem castanha. Já a empresa francesa de calçados Veja é a principal compradora de borracha.

O gerente de cadeia da borracha da Veja no Acre, Sebastião dos Santos Pereira, conta que a compra da matéria-prima por meio da associação agrega valor ao produto. “Nosso primeiro tênis já tinha solado de borracha nativa e o restante de algodão orgânico. Então, esse é o DNA da Veja, com propósito de fazer um produto legal, mas gerando esse impacto positivo no meio ambiente, tendo uma alternativa de renda, mas preservando a floresta, a biodiversidade, e focada nas pessoas ao pagar um preço justo”, afirma.

A empresa mantém colaboração com os extrativistas desde sua fundação, em 2005, e com a Cooperxapuri desde a criação da cooperativa. Pereira conta que, a partir da parceria, a empresa abriu um escritório na capital acreana, Rio Branco. “Contratamos uma consultoria com muita experiência no ramo de borracha que foi para o campo com a gente olhar como era o processo, depois como era na usina de beneficiamento de borracha, o que poderia melhorar, e por fim lá nas fábricas de tênis também”.

O representante conta que eles realizam reuniões com os produtores com frequência para manter o diálogo e promover capacitações. “Temos sete funcionários exclusivos para cuidar da cadeia da borracha, isso faz total diferença, a gente vai nas famílias, conversa com elas. Fazemos oficinas de boas práticas no campo para se ter um produto de qualidade”.

Reunião com cooperados. Foto: cortesia Veja Calçados

A empresa trabalha junto dos produtores o que chama de “4 zelos”, um acordo voltado a boa relação cooperativista, qualidade da borracha no processo de manuseio, cuidado com a seringueira (árvore fonte do material) e a preservação de mata da área de trabalho do produtor. Após a finalização da safra, as famílias recebem uma bonificação de acordo com o cumprimento do serviço ambiental.

Desafios que persistem

O desmatamento da Amazônia, estopim da luta dos extrativistas há mais de 30 anos, continua sendo uma ameaça. Segundo o Relatório Anual de Desmatamento (RAD 2024) divulgado pelo MapBiomas, até o ano de 2024 o estado do Acre sofreu perda de 17% de toda a sua cobertura florestal, desmatamento provocado principalmente para criação de áreas de monocultura e pecuária. 

O fortalecimento de uma cadeia econômica sustentável, liderada por quem está no território, é uma das principais estratégias para fazer frente ao problema.

Mesmo com o desenvolvimento da Cooperxapuri,  os extrativistas ainda enfrentam  algumas dificuldades. No caso da castanha, existe a comercialização não-autorizada e não devidamente fiscalizada do produto na região, o que leva a sonegação de impostos e, consequentemente, a uma concorrência desleal – fora os riscos para a floresta da comercialização de um produto nativo sem que se revele o lastro de manejo dele. 

Já a borracha tem um valor de compra baixo em relação a quantidade de mão de obra necessária para a extração. Além disso, o mercado extrativista recebe menos visibilidade do poder público, conduta que reduz a capacidade de desenvolvimento de empreendimentos como esse.

Campos de pasto. Foto: Tácila Matos

Números que movem a nova economia amazônica

Avanços neste sentido têm sido motivados pelos bons números da bioeconomia na Amazônia. Segundo estimativa da instituição empresarial Internacional Chamber of Commerce Brasil (ICC), o Brasil pode arrecadar entre 100 a 140 bilhões de reais em 2032 com a bioeconomia – modelo caracterizado pelo manejo de recursos naturais renováveis sem impacto negativo no meio ambiente, para a geração de bens e serviços. 

Já o relatório Nova Economia da Amazônia (NEA), publicado em 2023 pelo WRI Brasil, indica que as atividades econômicas baseadas na conservação da floresta já movimentam ao menos R$ 12 bilhões por ano na região, embora grande parte desse valor acabe ofuscado pelo alto nível de informalidade que marca a economia amazônica.

O NEA aponta que o potencial de desenvolvimento da bioeconomia na região é muito maior. Com investimentos em conservação, ampliação dos ativos naturais e adaptação da agropecuária e da matriz energética para modelos de baixo carbono, o PIB da Amazônia poderia, até 2050, superar em R$40 bilhões o que é projetado pelo modelo atual. As estimativas preveem ainda a criação de cerca de 312 mil empregos adicionais e a manutenção de aproximadamente 81 milhões de hectares de floresta.

Em 2024, o Brasil deu passos importantes na maior inclusão da bioeconomia no planejamento econômico, ao publicar o Decreto nº 12.044, que institui a Estratégia Nacional de Bioeconomia. A política prevê o incentivo  à inserção desses produtos no mercado nacional e internacional, pagamento justo do patrimônio genético e de conhecimentos tradicionais, redução da emissão de carbono em processos produtivos, entre outras diretrizes e objetivos. 

O país também liderou a criação da Iniciativa do G20 sobre Bioeconomia (IGB), que contém 10 princípios a serem seguidos pelos países, como a promoção de políticas efetivas voltadas a boas condições de mercado e emprego e a promoção de segurança alimentar.

Na prática, porém, o investimento chega muito aquém do esperado. Entre os anos de 2021 e 2023, só 12% do crédito rural destinado à Amazônia Legal foi voltado à bioeconomia e, em 2025, dos 516,2 bilhões de reais totais do programa de financiamento a atividades agrícolas, Plano Safra, somente 89 bilhões foram destinados à agricultura familiar, número que expõe a desigualdade nos investimentos.

Variedade como estratégia de mercado

Aquino afirma que a meta da cooperativa é buscar ainda mais a diversificação dos serviços, na busca por estabilidade. “A gente entende que café na nossa região é um potencial, mas ele pode cair mais tarde. Então, a gente teria que ter o café, o cacau, a castanha, a borracha. Ter uma ‘cesta de produtos’ para que no momento que um estiver em baixa, o outro possa suprir. E isso serve tanto para a vida financeira da cooperativa como para a vida financeira da família”, diz Aquino.

Em uma reunião entre os produtores, muitos foram os depoimentos sobre a diferença positiva que a cooperativa promoveu para os trabalhadores. O associado Jean Carlos da Silva Pereira relata que a cooperativa garante um amparo que nem sempre foi realidade na região. “Antes para colher a borracha,  tudo [o material de trabalho] era por conta da gente; agora a gente recebe kit. Eles vem pegar (o que foi produzido) na porta da casa da gente. Então hoje tem mais incentivo”.

Raimundo Mendes de Barros, mais conhecido como Raimundão, primo de Chico Mendes, destacou  o valor de parcerias. “A nossa associação que estava desativada e que foi ativada com muito sacrifício, deve ter a participação da comunidade, para que ela continue tendo nome e condição de estar dialogando com essas instituições e entidades para mais outros benefícios cheguem até a nossa comunidade para atender as necessidades daqueles e daquelas que procuram. Fazer com que a nossa reserva seja um local onde nós continuemos vivendo com dignidade”.

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