Certificação verde: como os selos de sustentabilidade impactam a indústria no Brasil

Cada vez mais os consumidores demandam comprovação de menor impacto ambiental dos produtos que consomem. Neste cenário, as certificações que atribuem “selos verdes”ganham espaço. O Governo Federal brasileiro anunciou a criação de um selo verde próprio para a indústria nacional. Mas será que a certificação é garantia de sustentabilidade?

Os consumidores estão dispostos a pagar até 35% a mais por produtos sustentáveis e de procedência transparente. Foi o que mostrou uma pesquisa feita pela IBM (International Business Machines Corporation) em parceria com a NFR (National Retail Federation). Foram entrevistados 19 mil consumidores de 28 países, incluindo o Brasil. Diante de um crescente mercado consumidor interessado em produtos com menos impacto ambiental, mais empresas procuram formas de mostrar suas práticas de sustentabilidade. 

A comprovação dessas práticas sustentáveis também se faz cada vez mais necessária. A mesma pesquisa apontou que  79% dos consumidores afirmaram ser importante que as marcas forneçam autenticidade garantida, como certificações.

O relatório “Voz do Consumidor”, publicado este ano pela consultoria internacional PWC, a partir de dados de 20 mil consumidores, mostrou que eles “estão priorizando a segurança e a confiabilidade das marcas com as quais interagem”. Os dados mostraram que 46% dos consumidores optam por “produtos mais sustentáveis ou com menos impacto climático”. Os consumidores responderam que ações de sustentabilidade tangíveis comprovadas pelas empresas são as que têm maior impacto em suas compras.

Uma das formas que as empresas possuem de comprovar a adoção de processos mais sustentáveis é a certificação. Por meio de selos específicos é possível comunicar aos clientes o comprometimento com processos de menor impacto. Mas será que as certificações de fato são confiáveis, e ajudam a impulsionar uma indústria mais verde?

Consumidores estão dispostos a pagar até 35% a mais por produtos sustentáveis e de procedência transparente. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Demanda por produtos sustentáveis impulsiona certificação na indústria

A certificação ambiental é uma prática de longa data, mas, no contexto atual de mudanças climáticas, a rastreabilidade dos impactos ambientais de produtos tem ganhado mais relevância. 

Um exemplo é o caso da União Europeia que, em 2023, aprovou o Regulamento para Produtos Livres de Desmatamento, o European Union Deforestation-Free Regulation (EUDR). A legislação proíbe a importação e comercialização, no território europeu, de alguns produtos (como gado, soja, palma de dendê, café, cacau, madeira e borracha) provenientes de áreas desmatadas após 31 de dezembro de 2020. 

De acordo com Carlos Eduardo de Freitas Vian, professor do departamento de Economia, Administração e Sociologia da ESALQ/USP, e delegado adjunto do Conselho Regional de Economia (Corecon) em Campinas/SP, os selos de certificação são importantes principalmente quando a empresa busca um mercado externo.  “No caso do FSC [Forest Stewardship Council] e Rainforest [Alliance Certified] isso é bem feito”, avalia. 

Vian destaca as diferenças no perfil dos consumidores no mercado externo e aqui no Brasil: “Lá fora, os consumidores realmente estão preocupados, eles olham, procuram selos, valorizam o produto. Aqui no Brasil, por uma questão até de renda, alguns até entendem a importância, mas, na verdade, acabam comprando os produtos que conseguem comprar, os quais encaixam no orçamento”.

Na análise do professor, dentre os desafios encontrados no mercado brasileiro para a certificação verde está o fato de que esta transição acontece a médio a longo prazo, e necessita de mudanças nas estruturas produtivas. “Há, também, a ausência de tecnologias nacionais e a necessidade de importação destas para a melhoria dos processos”, pontua.

Selos de certificação

Os selos de certificação atendem sempre a um padrão estabelecido por uma unidade certificadora, podendo ser emitidos por organizações independentes, governamentais ou não-governamentais. Eles podem fornecer informações de rastreio da cadeia produtiva, a fim de assegurar os requisitos de conformidade, qualidade, segurança e sustentabilidade de modo transparente ao consumidor.

Selo FSC reconhece boas práticas de manejo florestal, e é um dos mais conhecidos internacionalmente. Foto: 663highland / Wikmedia Commons

Há diversos tipos de selos, desde a área de conservação de florestas até alimentícios e selos sociais. Na esfera ambiental, alguns dos principais são o Forest Stewardship Council, o Programa Brasileiro de Certificação Florestal (Cerflor), e o Rainforest Alliance Certified.

O FSC é um dos mais conhecidos. O objetivo é “melhorar o manejo florestal (…), e criar um incentivo para proprietários, gestores florestais e compradores de produtos de origem florestal utilizarem as melhores práticas sociais e ambientais.” O FSC atua em mais de 80 países, com foco na conservação das florestas.

O Cerflor é gerenciado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO), e busca a proteção das florestas brasileiras. A certificação “auxilia proprietários e gestores florestais, empresas, consumidores e outras partes interessadas na identificação e promoção de mercadorias e bens provenientes de florestas manejadas de forma sustentável.” Este selo é reconhecido internacionalmente pelo Programme for the Endorsement of Forest Certification (PEFC) e destaca-se por ser a principal certificação brasileira de manejo florestal sustentável.

Já o selo da Rainforest Alliance tem foco na promoção de uma agricultura sustentável. A entidade atua em mais de 70 países e certifica produtos que vão desde café e cacau até papel e madeira, observando se essas commodities são produzidas com reduzido impacto ambiental.

Processo de certificação inclui análises documentais e inspeções

A engenheira florestal Rafaela Novaes de Abreu, que é auditora do sistema FSC, no Programa para o Reconhecimento da Certificação Florestal em manejo florestal e cadeia de custódia, destaca a importância de as empresas terem um selo de certificação. 

“Quando a empresa ou cooperativa comunitária possui um selo certificação significa que ela realiza e se compromete com normas que vão além da legislação. 

Abreu elenca cinco passos para o processo de certificação: o primeiro consiste na definição dos padrões e critérios a serem adotados pela entidade certificadora. O segundo é a avaliação, que inclui inspeções, auditorias e análises documentais das práticas. O terceiro é a adequação às normas preestabelecidas pela certificadora. O quarto é certificação, propriamente dita, na qual há a concessão do selo. O quinto e último é o monitoramento, a fim de garantir a continuidade dos padrões.

A especialista explica que, no caso do FSC, a certificação é atribuída pelo resultado de evidências obtidas por meio de visitas em campo, entrevistas e análise documental de amostragens selecionadas em auditoria. “A organização que se interessa em ser certificada recebe uma auditoria de avaliação e, caso consiga se certificar, todo ano receberá auditoria, sendo renovada a cada 5 anos”.

Abreu relata que são muitos os casos de empresas que melhoraram seus processos com o objetivo de conquistar a certificação. “Caso a empresa receba um “não”, é comum que ela reveja seus processos e tente novamente, pois há consultorias independentes que auxiliam nessa preparação”.

Na opinião da especialista, a certificação ajuda a combater o greenwashing, quando a empresa faz marketing se dizendo “verde” quando na verdade não é. “Com a sustentabilidade em evidência, algumas empresas apenas citam que são sustentáveis, mas não possuem um certificado sério obtido de uma auditoria de terceira parte que realmente ateste isso”.

A especialista pondera que, embora a certificação ajude as indústrias a acessarem mais mercados internacionais, nem sempre as empresas certificadas lucram mais em razão do selo. “O valor agregado no produto certificado ainda é baixo ou até nulo em comparação aos produtos não certificados. Se as empresas lucrassem mais com a venda de produtos certificados, a certificação seria mais adotada”, acredita.

Governo Federal brasileiro lança Selo Verde

Em junho deste ano, por meio do decreto 12.063, o Governo Federal instituiu o Programa Selo Verde Brasil. Trata-se de uma iniciativa “que visa a desenvolver uma estratégia nacional de certificação e avaliação de conformidade de produtos e de serviços brasileiros que comprovadamente possuem ciclo de vida socioambientalmente responsável”. 

Selo Verde lançado pelo governo brasileiro tem o objetivo de incentivar a certificação. Foto: Divulgação

Os critérios exatos ainda serão definidos em norma técnica a ser elaborada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), mas o governo adiantou que serão analisadas ações que promovam a redução de emissões de gases e poluentes, gestão e redução de resíduos, eficiência energética, uso se fontes de energia renováveis e uso responsável dos recursos naturais. 

Em comunicado para a imprensa, Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), afirmou que o selo visa “o desenvolvimento e o crescimento do setor produtivo”, e que, com a certificação dos produtos, o país terá uma condição competitiva que o elevará ao papel de “liderança mundial” do ponto de vista da economia verde. A chamada economia verde é um dos eixos do programa de industrialização impulsionado pelo governo federal (o NIB, Nova Indústria Brasil). 

A previsão é de que as primeiras normas sejam publicadas até o primeiro semestre de 2025.

Certificadoras podem estar sujeitas a falhas

Apesar das vantagens da certificação, outras estratégias também são necessárias no esforço de observar se as empresas de fato praticam os compromissos de sustentabilidade que divulgam. Até mesmo porque as empresas certificadoras podem estar sujeitas a falhas e à corrupção. 

Uma investigação jornalística publicada em 2023, feita pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês) e 39 veículos de imprensa em diferentes países, incluindo o Brasil, revelou falhas de certificadoras que concedem selos verdes. A investigação durou noves meses e comprovou que empresas certificadas praticavam desmatamento ilegal e violações de direitos em seus processos produtivos. 

A reportagem mostrou que trata-se de um setor pouco regulamentado, observando que, diferente da altamente regulada auditoria financeira tradicional, a auditoria ambiental é governada por muito menos regras e diretrizes. A violência em áreas de floresta também foi citada como um dos impeditivos para trabalhos de campo dos auditores.  

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