Morador da comunidade de Barbosa, na zona rural de José de Freitas, no semiárido do estado do Piauí, no Brasil, o professor e agricultor Francisco Soares e Silva, de 49 anos, enfrentava a seca típica de junho a novembro na região com poucos recursos. Para consumo próprio, o acesso à água era difícil. Para a produção de alimentos, quase inviável.
A partir de 2020, um projeto de extensão criado pela Universidade Federal do Piauí (UFPI) para irrigação movida a energia solar começou a mudar a realidade dele e de aproximadamente 100 famílias no semiárido piauiense. Na região onde Francisco mora, a implantação do sistema fotovoltaico foi feita em junho de 2021.
“Melhorou a qualidade de vida de todos, as pessoas passaram a consumir água apenas do poço. Antes, os moradores consumiam a água de nascentes na localidade, que eram de difícil acesso e divididas com animais”, conta. “Depois vieram pequenas hortas, criação de caprinos, ovinos, suínos e galinhas em uma escala maior”.
O agricultor Macyel da Silva Freitas, de 20 anos, começou uma produção de melancia com a chegada do sistema fotovoltaico. “Antes da energia solar, não produzíamos nada. Hoje trabalhamos com sistema de irrigação por gotejamento, que é bastante econômico e é suficiente. São 400 pés de melancia em quase meio hectare, mas queremos dobrar a produção e adquirir mais uma placa”, conta.
Ao todo, 11 comunidades de agricultores familiares e quilombolas foram beneficiadas com sistemas fotovoltaicos, instalados por meio do projeto da UFPI, financiado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Entre os municípios atendidos, estão Oeiras, Campo Maior, José de Freitas, Paulistana, Currais e Esperantina, localizados a distâncias de 40 km a 600 km da capital do Piauí, a cidade de Teresina.
“Aqui no Piauí, temos um aquífero muito grande e um cinturão de radiação que favorece a energia solar”, explica o professor do curso de Engenharia Elétrica da UFPI, Marcos Lira, que coordena o projeto. “Começamos a sair de Teresina para prospectar comunidades. Os moradores preparavam toda a estrutura para receber as placas fotovoltaicas antes da instalação”.
O projeto de irrigação inclui o monitoramento dos sistemas e a capacitação das comunidades para a manutenção. “Não queríamos que os problemas acontecessem e que o sistema ficasse sem atendimento, então demos suporte aos moradoresl”, afirma Lira.
A escolha das áreas que seriam contempladas seguiu alguns critérios: ser uma comunidade rural no semiárido do Piauí; ter um poço do tipo “cacimba” (estrutura cujo objetivo é captar água do lençol freático); e que o poço não estivesse alimentado com energia elétrica convencional.
Cada poço gera, em média, 5 mil litros de água por dia. Na cidade de Oeiras, onde fica o assentamento Malhada das Pedras, foi instalado um sistema mais robusto. Lá, são oito placas fotovoltaicas e captação de 36 mil litros de água por dia.
Produção de alimentos cresce com irrigação solar
Algumas comunidades não tinham acesso à energia, o que inviabiliza o sistema de irrigação convencional, enquanto outras contavam com eletricidade, mas precisavam restringir o uso para as casas, já que o custo era alto. A energia gerada pelos painéis fotovoltaicos é hoje suficiente para irrigação e ainda para abastecer as casas que antes não tinham energia elétrica.
“Antes do sistema fotovoltaico, nós não trabalhávamos com irrigação, tínhamos um poço só para abastecer as famílias, horta e para levar água para os bichos beberem. Fazíamos isso manualmente, com regador ou mangueira, debaixo do sol”, conta a agricultora Maria de Deus de Oliveira Meneses, 34 anos, moradora do assentamento Malhada das Pedras, em Oeiras.
A falta de irrigação prejudica a produtividade dos produtos agrícolas e aumenta os riscos de perdas da produção em períodos de estiagem.
Exemplo de comunidade vizinha motivou moradores
Foram os moradores da comunidade de Malhada das Pedras que tomaram a iniciativa para a instalação do sistema no local. Eles já conheciam a experiência de uma comunidade pequena nos arredores, que havia sido equipada pelo Instituto Federal do Piauí, Campus de Oeiras (a iniciativa é uma extensão do projeto conduzido pela UFPI e financiado pelo Pnud).
“Entramos com o dinheiro do poço e fizemos a estrutura para que o Instituto avaliasse se dava para fazer a instalação das placas”, lembra o agricultor Antônio Francisco dos Reis, 49 anos, presidente da associação do assentamento.
Na região, onde vivem 22 famílias, as placas para geração de energia solar foram instaladas em janeiro de 2021. Foi a partir do novo sistema que a comunidade começou a cultivar milho, macaxeira, feijão e melancia em maior escala.
“Agora, na época da seca, conseguimos plantar mais com a irrigação que nos foi presenteada pela energia solar”, diz Reis. “Temos para comer, para vender e ainda sobra. Temos casa de farinha, roça de caju, criação de ovelha, porco e uns têm boi”, conta.
Custo cai, mas sistema é limitado
A chegada da energia solar reduziu o custo de energia nas comunidades que tinham acesso à eletricidade. No assentamento Malhada das Pedras, as famílias juntas pagavam cerca de R$ 1.500 por mês, valor que era dividido pelo número de casas. Agora, os moradores não pagam mais conta de energia para o uso comunitário – o que envolve os animais e o plantio.
Ainda que o sistema tenha suprido as necessidades essenciais e que a qualidade de vida das famílias tenha melhorado com mais segurança alimentar, aumento da produção agrícola e rotinas de trabalho menos extenuantes, o número de placas para a geração de energia solar tem limitações.
“Se tivéssemos mais oito placas e mais dois reservatórios de 5 mil litros, resolveria a demanda”, afirma o agricultor Antônio Francisco dos Reis. Isso porque a estiagem tem durado mais tempo no semiárido piauiense: em 2023, foi de maio a novembro.