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Energia solar amplia acesso à saúde e à comunicação de povos indígenas do Xingu

O projeto, que iniciou em 2009 e ganhou escala em 2015, serviu de exemplo para outras iniciativas de instalação de energia solar em comunidades isoladas. Apesar dos bons resultados, ainda há limitações no acesso à energia.

Na mitologia dos indígenas da região do Xingu, no centro-oeste brasileiro, o Sol (Taũgi) criou a humanidade junto de seu gêmeo Lua (Aulukumã). Essa cosmovisão ajudou a impulsionar, há quatorze anos, um projeto de geração de energia fotovoltaica. 

O acesso integral à energia elétrica parecia um sonho distante para os povos do Território Indígena do Xingu (TIX), no centro-oeste brasileiro. 

Até o final dos anos 2000 o dia a dia sem luz nas aldeias significava não só uma rotina árdua e comunicação precária na floresta, como também atendimento limitado à saúde. A partir de 2009, no entanto, uma iniciativa de energia solar começou a mudar esta realidade.

“Quando tinha picada de cobra, picada de escorpião, a gente remava em barco por até seis horas para chegar a um polo da Funai [Fundação Nacional dos Povos Indígenas]”, conta o eletricista Towaianin Kaiabi, 44 anos, indígena nascido e criado no Xingu. “Eu fui barqueiro e presenciei muito o sofrimento e falecimento do meu povo nos meus braços”, diz.

Placas fotovoltaicas são instaladas no Território Indígena do Xingu (TIX), no estado do Mato Grosso, com apoio do Instituto Socioambiental (ISA). Crédito: Todd Southgate

Towaianin afirma que, com energia, o cenário mudou nas comunidades. “Agora temos Unidade Básica de Saúde atendendo paciente à noite. Antigamente, para dar remédio, precisávamos acender uma palha para iluminar”, relembra. 

Em 2009 um projeto piloto teve início e, de novembro de 2015 a junho de 2023, foram instalados 115 sistemas fotovoltaicos no Território Indígena do Xingu e na Terra Indígena Panará, em uma iniciativa das comunidades com apoio do Instituto Socioambiental (ISA) e da Universidade de São Paulo (USP). São 98 aldeias e polos atendidos, com cerca de 7.500 beneficiários.

O morador e eletricista Siraem Kaiabi Ikpeng, 22 anos, é um deles. “Agora você pode fazer nebulização à noite aqui mesmo na comunidade e, se alguém tem febre, consegue se comunicar melhor com o enfermeiro de plantão lá no polo”, conta.  Ele observa ainda o quão foi importante ter respiradores nas aldeias durante a pandemia de covid-19.

Atualmente, são mais de 120 aldeias ou comunidades na região. Deste total, quatro são chamadas de “polos”. Ali, concentram-se os serviços maiores, como sede da Funai, postos de saúde melhor equipados, pistas de pouso, escolas e sedes das associações indígenas. 

O TIX, situado no estado do Mato Grosso, foi criado em 1961, quando a política indigenista do Brasil demarcou, pela primeira vez, uma área extensa para povos diferentes entre si: 2,8 milhões de hectares que abrangem 16 etnias com distintos idiomas. O Alto Xingu tem registros de ocupação indígena desde os tempos pré-históricos. Os vestígios arqueológicos indicam a presença dos ancestrais dos atuais Aruak xinguanos entre os anos 800 e 1400.

Chegada da energia solar

Foi em um dos polos do Xingu que foi instalado, em 2009, o projeto piloto de energia solar no território. A ideia, desenvolvida pelo Instituto Socioambiental junto com as aldeias, foi pensada para o uso em espaços compartilhados. 

Naquela época, a maioria das aldeias do Xingu tinha um gerador a diesel ou a gasolina que funcionava das 18h às 22h. De acordo com os moradores, para manter a energia, era necessário comprar o combustível.

“Tínhamos lanterna, mas às vezes não havia pilha ou bateria e o descarte era difícil, porque a bateria tem uma química que não dá para descartar de qualquer forma. Algumas atividades à noite eram difíceis, e os professores tinham dificuldade para organizar uma tarefa para a manhã seguinte”, lembra Siraem.

Towaianin conta que o custo era alto. “Tinha gasto com combustível, com frete e oficina mecânica para arrumar quando quebrava. Hoje, com o dinheiro que sobra, o povo aqui compra anzol, linha, panela…”, diz. 

Na época da instalação, foram feitos estudos de viabilidade de fontes energéticas, e a energia solar despontou como a mais apropriada. “Pesquisamos vento, óleos (biocombustíveis), rios (hidrelétrica), mas a incidência solar é bem alta no Xingu”, diz Marcelo Martins, coordenador do ISA no Xingu e um dos idealizadores do projeto.

A escolha dos sistemas fotovoltaicos teve, sobretudo, o aval das comunidades. A premissa de uma fonte energética limpa era a ideal para os moradores, que buscavam mais qualidade de vida sem gerar desequilíbrio com o entorno. 

“O gerador antes ficava fazendo barulho e isso incomodava. O sistema que a gente tem agora não traz cheiro de óleo e de gasolina no ar, não traz problemas para a saúde da comunidade, das crianças”, observa Towaianin. Ele acrescenta que o equipamento pode ser instalado sem desmatar, diferente dos linhões de interligação com hidrelétricas. 

De 2009 até 2015, o sistema funcionou para abastecer alguns pontos. Em 2015, um financiamento permitiu implementar a estrutura de energia solar em maior escala. A potência total instalada é de 110.770 Watt-pico (Wp). Os sistemas abrangem 70 escolas, 47 unidades de saúde, 89 pontos de acesso à internet, 17 associações e três centros de Coordenação Técnica Local (CTL) da Funai.

Formação de eletricistas indígenas

Desde 2015, cerca de 140 alunos foram formados em quatro cursos de eletricista no Xingu, três deles em parceria com a equipe do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, que coordenou toda a concepção técnica do projeto, fez testes e orientou sobre os usos.

“Desde o começo, a maioria da instalação foi feita pelo próprio Xingu, o que trouxe confiança para as comunidades que não falam português, porque a gente traduzia e ia de comunidade em comunidade explicando o sistema”, diz Siarem, que é um dos eletricistas formados pelos cursos. 

Treinamento sobre sistema elétrico com moradores do Território Indígena do Xingu (TIX) para instalação de placas fotovoltaicas, fomentado pelo Instituto Socioambiental (ISA). Crédito: Todd Southgate

O Instituto Socioambiental promoveu reuniões com lideranças e demais moradores para explicar como funcionava a energia solar e fotovoltaica. A comunidade ficou responsável pela manutenção dos equipamentos e também por divulgar a iniciativa para outras aldeias. 

Siarem ressalta que a principal dificuldade foi o transporte dos equipamentos, que era feito em barcos. “A maior parte das comunidades não tem carro e também não há estradas aqui, então a gente tirava o equipamento e carregava”, diz.

Custo melhor do que a geração a diesel

Segundo Marcelo Martins, do ISA, um sistema de energia com gerador a diesel tem um custo de implantação barato, mas custo de operação mais caro que o sistema fotovoltaico, porque demanda manutenções com maior frequência. 

Além disso, com o sistema implementado, as comunidades não têm custo em conta de energia porque o projeto do Xingu conseguiu recursos via doação. Quando a reposição de baterias do sistema fotovoltaico é necessária, as comunidades se organizam para dividir o valor e repor – confortada por saber que a durabilidade é longa.

Limitações

Embora o projeto de energia solar comunitária tenha levado mais qualidade de vida e comodidade para os povos do Xingu, a escala e a capacidade que existem atualmente são limitadas – apenas os espaços comuns têm energia elétrica. Com isso, as unidades habitacionais ainda usam recursos como lanterna, lamparina e gerador a diesel.

Para Marcelo Martins, do ISA, a demanda doméstica não atendida e o gasto de tempo em tarefas diárias são as principais lacunas. “As mulheres passam boa parte do dia ralando mandioca, mas, com um ralador elétrico, por exemplo, o trabalho de uma semana elas fariam em uma hora”, observa. “Com mais uso de roupa, todas querem um ‘tanquinho’ para lavar, querem iluminação à noite para fazer comida, estudar. A refrigeração é importante para conservar alimento, porque se eles pescam e caçam bastante não têm como refrigerar”. 

Na região onde mora no Xingu, Towaianin diz que é o único que tem freezer. Ele divide o eletrodoméstico com outras famílias, que levam a pesca da semana, massa de pequi, mingau e outros insumos para conservação. “Eu mesmo comprei o sistema de placa solar e instalei o freezer de 160 litros”, diz o morador, que foi um dos alunos dos cursos de capacitação de eletricistas ministrados nas aldeias.

Segundo ele, o desejo das comunidades é a modernização do sistema fotovoltaico existente e a ampliação da capacidade instalada por meio do programa federal Luz para Todos – que hoje abrange outras áreas da Amazônia com a instalação de sistemas fotovoltaicos por unidade habitacional.

A expectativa é que essa ampliação no Xingu possa permitir que cada família tenha seu sistema de refrigeração, um ventilador para o calor e máquina de lavar. “Tem muito idoso que mora sozinho e já não consegue lavar roupa, que ganha comida da família por 3-4 dias, mas que não consegue guardar por muito tempo e acaba perdendo”, diz Towaianin 

Ainda assim, ele avalia que o projeto com o ISA e a USP foi bem-sucedido ao que se propôs: viabilizar o uso comunitário de energia em tempo integral e formação técnica de indígenas para que possam ter autonomia para a manutenção dos sistemas instalados. 

O projeto também serviu de inspiração para comunidades Caiapó e para o próprio programa Luz para Todos, que usa o projeto como referência. “Qualquer comunidade sem acesso à energia pode se beneficiar da mesma estrutura, mas há aspectos que serão necessários adaptar. Onde estão os (povos) Yanomami, por exemplo, há muita chuva; teria que equacionar melhor os painéis e baterias para armazenamento”, afirma Martins. 

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