Em um estado historicamente dependente de termelétricas e da energia importada da Venezuela, a expansão da energia solar em Roraima começa a desenhar um novo cenário para a matriz energética local. Com o avanço da capacidade instalada e a iminente conexão ao Sistema Interligado Nacional (SIN) por meio do Linhão de Tucuruí, especialistas e investidores veem no estado potencial para geração renovável no Brasil.
Atualmente, Roraima conta com 91,82 megawatts de potência instalada na geração própria de energia solar. O estado possui cerca de 6,4 mil conexões operacionais de energia solar espalhadas por 13 cidades, de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
Em 2024, o estado registrou um aumento de 95% na capacidade de geração distribuída – um dos maiores índices de crescimento do país, acompanhado por Amapá (73%), Acre (67%), Alagoas (63%) e Rondônia (57%), de acordo com levantamento realizado pela revista especializada em energia, PV Magazine, e confirmado pelo Climate Tracker. Esses estados apresentaram os maiores aumentos proporcionais no ano passado. O salto reflete a combinação de incentivos e redução de custos, que tornaram os painéis fotovoltaicos mais acessíveis.
No estado, que faz fronteira com a Venezuela, a energia elétrica sempre foi um desafio. Roraima é o único estado brasileiro fora SIN, o que o deixa dependente da energia derivada de combustíveis fósseis. Essa realidade está prestes a mudar, já que está prevista para o final do ano a conclusão das obras do Linhão de Tucuruí.

A expansão da energia solar no estado começou antes mesmo das obras do Linhão. Com tarifas entre as mais altas do país e um fornecimento frequentemente instável, empresários e moradores se viram obrigados a buscar alternativas para minimizar os impactos dos sucessivos apagões. Os telhados de casas e comércios começaram a refletir a luz do sol não apenas como uma solução sustentável, mas também como uma estratégia para garantir mais estabilidade e redução de custos.
Mário Gonzaga, empresário local que administra uma pequena rede de comércios, percebeu a tendência ao olhar para os negócios vizinhos. Para empreendedores como Gonzaga, a adoção de sistemas solares é uma estratégia para minimizar prejuízos. «Cada vez mais gente está investindo nisso. Os apagões acabam com mercadoria, estragam equipamentos e atrapalham as vendas. Energia solar virou uma saída», conta.
No entanto, as limitações da rede atual ainda representam um desafio. O modelo off-grid, que opera de forma independente da rede pública, mas exige baterias para armazenar energia, tem um custo elevado. Já os sistemas on-grid, que se conectam à rede elétrica, sofrem com a instabilidade do abastecimento local, reduzindo a confiabilidade da energia gerada.
«O sistema off-grid é extremamente caro e inviável economicamente», diz ele, ressaltando que para um comerciante com gastos mensais de R$15.000 (US$2.590), o investimento necessário pode chegar a R$ 500.000 ($86.365,00), com um retorno financeiro que demora anos”.
Gonzaga acredita que a conexão ao Linhão de Tucuruí pode trazer uma solução mais viável, uma vez que a energia da rede elétrica promete maior estabilidade, tornando a energia solar on-grid uma opção mais atraente. «Com a energia on-grid, você pode zerar a relação entre produção e consumo e começar a gerar créditos de energia, mas no momento, com tantos blackouts, ela não atende plenamente às necessidades do proprietário de um supermercado, por exemplo», explica Gonzaga.
Para o especialista em energia renovável, Cristiano Amorim, o principal efeito da chegada do Linhão de Tucuruí ao setor de energia solar em Roraima é a estabilidade que o modelo proporciona para sistemas como on-grid, e reduzir as constantes interrupções no abastecimento, já que o sistema funciona de maneira dinâmica.
“Com vasto potencial para energia solar e eólica, Roraima poderia atrair mais investidores caso estivesse conectado ao SIN. Isso porque a interligação permitiria o escoamento da energia gerada, aumentando a viabilidade econômica desses projetos. Outro benefício seria a estabilidade no fornecimento, essencial para o crescimento da matriz renovável. Como as fontes solar e eólica são intermitentes, a interligação ao SIN garantiria energia de outras regiões nos momentos de baixa geração, evitando oscilações e cortes no abastecimento, por exemplo”, afirma o engenheiro elétrico e mestre em energias renováveis.
Mudança estrutural e o peso dos fósseis
Com a conexão ao SIN, a expectativa é de que a capacidade instalada cresça cinco vezes mais até ano até 2030. A mudança não é apenas técnica, mas estrutural: hoje, 88% da eletricidade consumida no estado vem de termelétricas a diesel, uma solução cara e ambientalmente impactante, de acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar). Até o ano de 2023, 11,4% da matriz energética do estado era renovável, conforme dados da Secretaria de Planejamento e Orçamento do governo do Estado de Roraima.

Para a empresária do setor de energia solar, Andreza Venâncio, representante da LLM Energia Solar, que opera em Roraima, a integração ao SIN traz uma nova dinâmica à matriz energética do estado. “Agora, com uma rede mais robusta e confiável, o setor de energia solar ganha estabilidade, o que facilita investimentos e amplia as possibilidades de financiamento para novos projetos”, observa. Ele estima que suas operações podem crescer 40% nos próximos dois anos no estado.
A expansão de 95% na capacidade instalada de energia solar em Roraima reflete, segundo Venâncio, uma tendência crescente e sustentável. “O mercado local amadureceu rapidamente. A queda de 50% no preço dos painéis solares no último ano acelerou esse movimento. Além disso, temos um dos menores custos de instalação do país, o que torna a energia solar ainda mais acessível para residências e empresas. Com os incentivos fiscais, o aprimoramento das normas legais e os avanços tecnológicos, acredito que essa tendência de expansão continuará nos próximos anos”, afirma.
Apesar do otimismo, a empresária ressalta que as leis de incentivo poderiam ser ampliadas, considerando a iminente ligação com o Linhão de Tucuruí. “A isenção de ICMS para os equipamentos solares foi crucial para o crescimento do setor, mas a insegurança quanto a mudanças na legislação gera apreensão. Algumas leis de incentivo poderiam ser ampliadas para garantir o crédito para instalação, por exemplo. Além disso, a infraestrutura precisa acompanhar o ritmo dessa expansão para evitar gargalos na distribuição da energia gerada, como a ausência de uma rede elétrica local para suportar a demanda. Contudo, o futuro de Roraima como polo de energia renovável no Brasil é promissor”, conclui.
Para o governo brasileiro, a integração ao SIN representa a maior obra de descarbonização da Amazônia. Em 2022, as residências de Roraima consumiram aproximadamente 648 mil megawatt-hora (MWh) e as emissões para geração dessa energia podem ter sido aproximadamente 415.968 toneladas de CO₂, o equivalente a 170 mil carros a gasolina rodando 24 horas durante um ano.
Com a interligação ao SIN, por meio do Linhão de Tucuruí, espera-se uma redução significativa na geração térmica local, diminuindo as emissões de gases de efeito estufa. Para 2025, a previsão de consumo é de 669 mil MWh.
Enquanto o Linhão de Tucuruí avança, os investimentos em Roraima continuam. Nos últimos 13 anos, o setor solar atraiu mais de R$300 milhões (US$51 milhões) em investimentos, gerando 2,2 mil empregos e arrecadando R$100 milhões (US$17 milhões). Em 2023, a queda de 50% no custo dos painéis impulsionou novas instalações, com o estado registrando um dos menores custos médios do país para sistemas solares: R$ 2,34 por watt-pico (Wp) no segundo trimestre de 2024, segundo a plataforma Radar, da Solfácil consultoria.
Se por um lado o setor privado investe, iniciativas públicas também ampliam o uso da energia solar. Em 2022, o Tribunal de Justiça de Roraima inaugurou uma usina fotovoltaica em Mucajaí, economizando R$2 milhões ao ano. Em Boa Vista, cerca de 74 pontos de ônibus foram transformados em mini usinas solares, um projeto da prefeitura que gera uma economia anual de mais de R$5 milhões.
«A instalação das mini usinas solares nos pontos de ônibus de Boa Vista é uma conquista para a cidade, trazendo benefícios ambientais e econômicos. Mesmo com desafios, os resultados são expressivos, e seguimos investindo na transição energética», afirmou a Secretaria do Meio Ambiente de Boa Vista.
Em 2017, um estudo dos pesquisadores Frederico Peiró e Ricardo Lima estimou que, para cada MWh de energia solar produzido em Roraima, 280 litros de óleo diesel deixam de ser consumidos. Isso representa uma redução de 0,78 toneladas de CO2 emitidas na atmosfera e uma economia de mais de R$1.700 (US$293,59) em custos com combustível por MWh, com base nos valores atuais.
Na universidade, pesquisas buscam aprimorar a tecnologia solar no estado. Em 2024, estudantes de engenharia desenvolveram um sensor de radiância de baixo custo, que pode reduzir em 86% o valor de equipamentos usados para medir a intensidade da luz solar. Os testes foram realizados em uma usina com 1.116 painéis e capacidade instalada de 505,44 kWp, que ocupa uma área de 2.300 m², no campus do município de Paricarana.

Condições para o crescimento da energia solar em Roraima
A Lei nº 1.109, que completará dez anos em 2026, estabelece uma política de incentivos fiscais para a geração de energia solar, eólica e biomassa, com a isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para equipamentos utilizados em sistemas de micro e minigeração em todo o estado. No entanto, a isenção depende da aprovação do projeto e da comprovação da conexão à rede elétrica (on-grid), conforme o Decreto Estadual nº 4.335/2001.
Além disso, o Convênio ICMS 39, de 2016, incorporou Roraima ao Convênio ICMS 16/15, ampliando a isenção tributária para aqueles que adotam fontes renováveis de energia. Essa medida assegura que o ICMS não seja cobrado sobre a energia elétrica gerada por sistemas solares, eólicos e outras fontes limpas, no âmbito do Sistema de Compensação de Energia Elétrica regulamentado pela ANEEL.
“Esse sistema permite que consumidores geradores de sua própria energia possam trocar o que produzem por créditos de energia, diminuindo assim o custo de suas contas. No caso de Roraima, a adesão ao convênio torna a instalação e utilização de sistemas de geração distribuída mais acessíveis, incentivando o uso de fontes renováveis e contribuindo para a sustentabilidade energética do estado”, explica o engenheiro Amorim.
Segundo Rosana Moreira, engenheira eletricista e integrante do Fórum de Energias Renováveis, a interligação de Roraima ao Sistema Interligado Nacional (SIN) representa um avanço importante, garantindo maior estabilidade no fornecimento de energia e reduzindo a dependência de termelétricas a diesel, caras e poluentes.
“Contudo, é essencial que essa integração não desincentive os investimentos em fontes renováveis. A energia solar possui um grande potencial no estado, e o Linhão pode ampliar a viabilidade dessa fonte, possibilitando o escoamento da produção de energia distribuída. O ideal seria um planejamento que priorizasse a complementaridade das fontes, garantindo que a transição energética ocorra de maneira sustentável e alinhada aos objetivos climáticos do Brasil”, afirma.
A criação de programas de microcrédito para a instalação de painéis solares e o estímulo a comunidades energéticas compartilhadas também são essenciais para tornar essa fonte mais acessível. Além disso, a capacitação técnica da mão de obra local é vista como fundamental.
Em 2024, o estado chegou perto de instituir uma política estadual de incentivo à energia solar, mas a ausência de fundamentação técnica prejudicou o andamento da proposta. O Projeto de Lei 189, da deputada estadual Aurelina Medeiros, que visava instituir a Política Estadual de Incentivo ao Aproveitamento da Energia Solar em Roraima, foi retirado de tramitação na Assembleia Legislativa em 2024, pela própria autora, e segue fora da agenda de análise dos deputados estaduais.
O projeto pretendia estimular investimentos no setor solar por meio de linhas de crédito e parcerias público-privadas. Contudo, o texto não esclarecia como os recursos para financiar os incentivos seriam viabilizados, nem apresenta um orçamento específico para a execução da política. Sem um plano financeiro claro, a implementação do projeto ficou comprometida pela falta de recursos.
Embora a proposta tenha como objetivo levar energia solar a regiões com dificuldades de abastecimento, como comunidades indígenas e ribeirinhas, não havia um plano específico para garantir que essas populações fossem atendidas.
Em tramitação no Senado Federal, o Projeto de Lei nº 624/2023, que cria o Programa Renda Básica Energética (REBE), é visto pela ABSOLAR como essencial para destravar a geração distribuída de energia solar no Brasil. O projeto busca eliminar as negativas de conexão impostas pelas distribuidoras sob a justificativa de inversão de fluxo de potência, “impedindo milhares de consumidores de gerar sua própria energia limpa”, afirma a Absolar.

A proposta também atualiza a Lei nº 14.300/2022, garantindo que as distribuidoras não possam barrar conexões de microgeração distribuída. Caso seja necessário reforço na infraestrutura elétrica, a responsabilidade pelo investimento será das próprias concessionárias, sem repassar custos aos consumidores. A expectativa do setor é que o projeto seja votado ainda neste ano. O texto está sob relatoria do senador Marcos Rogério (PL).
Com cerca de 64% das obras concluídas até o final de 2024, o consórcio Transnorte Energia, formado pela Alure e Eletronorte, prevê concluir o Linhão de Tucuruí em setembro de 2025. Já o Ministério de Minas e Energia prevê um novo atraso, com a conclusão do projeto agora prevista para 30 de dezembro de 2025. A Transnorte Energia, entretanto, assegura que está trabalhando para cumprir o prazo.