Indústria de papel e celulose oferece alternativas ao plástico, mas impactos devem ser considerados

O Brasil é o maior exportador de celulose do mundo. O material substitui o petróleo na fabricação de alguns produtos e é matéria-prima para o papel, uma grande alternativa na substituição do plástico. Mas indústria depende do eucalipto e do pinus como matéria-prima - são mais de 9 milhões de hectares de monocultivo das espécies exóticas, com impactos principalmente no solo e na água.

Com um tempo de decomposição significativamente menor (de 3 a 6 meses), o papel é uma das principais apostas na substituição sustentável do plástico (que leva pelos menos 450 anos para se decompor). No setor de embalagens, o papel já é amplamente utilizado em sacolas, para o transporte de alimentos, e em descartáveis. Além disso, cada vez mais a indústria aposta em inovações, pesquisando diferentes gramaturas e modelagens. Tudo isso faz da celulose uma promessa sustentável, já que tem o potencial de substituir o petróleo em alguns casos e gerar diversos produtos, desde tecidos até aço e pele artificial para fins médicos.  

O Brasil é o maior exportador de celulose do mundo, e o segundo maior produtor (atrás dos Estados Unidos). Em 2022, foram produzidos no país 11 milhões de toneladas de papel e 25 milhões de toneladas de celulose, segundo dados da Indústria Brasileira de Árvores (Ibá), uma associação responsável pela representação institucional da cadeia produtiva de árvores plantadas. 

A indústria de papel e celulose: entre soluções e problemas ambientais

O Brasil tem hoje uma área de 9,94 milhões de hectares de plantios arbóreos. A maior parte são de eucalipto e pinus, duas espécies exóticas, ou seja, que não fazem parte da flora original do país. O pesquisador da Embrapa Florestas, Edilson Batista de Oliveira, estima ainda que haja de 2 a 3 milhões de hectares de áreas nas quais a agropecuária seja manejada no sistema de ILPF – Integração Lavoura Pecuária Floresta. Esta técnica integra plantações de pinus e eucalipto com outras culturas agrícolas e também com pastagens.   

Oliveira explica que estas espécies apresentam crescimento rápido, com ciclos de corte a partir de 7 anos, e que têm plasticidade térmica, sendo resistentes a diferentes temperaturas. Enquanto o pinus é mais comum no sul do país, o eucalipto ocupa grande parte do sudeste até mais ao norte, mas todos os estados brasileiros possuem áreas plantadas com árvores de corte. 

O pesquisador afirma que o plantio não é feito em áreas conservadas. «Estas plantações utilizam áreas já degradadas, ou seja, não há desmatamento para implementação de florestas de pinus e eucalipto, além de existir um consistente monitoramento para evitar queimadas nas regiões,» destaca. O Ibá afirma que o setor «conserva, simultaneamente, outros 6,7 milhões de hectares de mata nativa». 

Em informações públicas sobre sustentabilidade, a Klabin, líder na produção de embalagens de papel, cita uma série de programas, como manejo florestal responsável e preservação das nascentes, além de se comprometer com a economia circular, entre outras metas. A Suzano, uma das maiores empresas do segmento, relata ações parecidas. Em seus relatórios de sustentabilidade, a empresa mostra estratégias já em curso e também metas de mitigação de emissões de carbono na atmosfera, além de conservação da biodiversidade e dos recursos hídricos. Nenhuma das empresas, no entanto, aceitou conversar com a reportagem sobre seus programas. 

O biólogo, professor Departamento de Botânica da Universidade Federal de Santa Catarina e presidente do Conselho Regional de Biologia de Santa Catarina, João de Deus Medeiros, concorda que o papel é um produto mais interessante que o plástico em termos de sustentabilidade. No entanto, ele ressalta que o impacto do plantio arbóreo existe, e que o discurso do setor se distancia, muitas vezes, da realidade. 

O Brasil tem 9,94 milhões de hectares de plantações exóticas, especialmente pinus e eucalipto, destinada a indústrias como a de papel e celulose, mas também carvão vegetal e outras. Foto: Divulgação Semad/Cenibra

Segundo o profissional, que é ex-diretor dos Departamentos de Áreas Protegidas e de Florestas do Ministério do Meio Ambiente, existem formas de mitigar os impactos, como criando corredores de biodiversidade que conectem remanescentes de mata nativa, por exemplo. No entanto, embora algumas empresas estejam investindo nestas estratégias, a maior parte dos plantios são contínuos e em grandes extensões. 

«Os remanescentes ficam tão distanciados que se tornam ilhas. E a gente tem se assustado com o oportunismo de interferir na legislação para a expansão irresponsável do negócio», afirma, referindo-se à Lei 14.876/2024, que altera a Lei nº 6.938/1981 (Política Nacional do Meio Ambiente) e exclui «a silvicultura do rol de atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos ambientais». Assim, estas indústrias passam a prescindir de processos como o licenciamento ambiental ou o pagamento de taxas de conservação. Medeiros ainda cita o PL 364/2019, que reduz a proteção aos campos de altitude. «É desproposital dizer que a silvicultura não tem impacto ambiental. É uma atividade que, sem cuidados, é poluidora. Pinus é uma espécie exótica e tem comportamento de espécie invasora sobre restingas e campos de altitude, por exemplo, por conta da disseminação do vento», alerta.  

Sobre a captura de carbono da atmosfera, que é citada pelas empresas do setor em seus relatórios de sustentabilidade, o biólogo lembra que ela acontece em um ciclo muito curto. O carbono capturado permanece por alguns anos armazenado na árvore, mas volta à atmosfera quando esta é utilizada em seu fim comercial ou industrial. «A maioria destes plantios, especialmente para papel e celulose, tem um comportamento similar à agricultura convencional, devido ao ciclo de corte curto, diferentemente de uma vegetação nativa ou preservada. O balanço de carbono do processo pode ser até negativo», ressalta. 

Impactos dos cultivos

O Relatório de Riscos Globais de 2024 do Fórum Econômico Mundial (FEM) elencou os eventos climáticos extremos e as mudanças críticas nos sistemas terrestres como as maiores preocupações a serem enfrentadas no mundo na próxima década. Entre as cinco maiores causas da perda de biodiversidade está a existência de espécies invasoras. Segundo a Convenção sobre Diversidade Biológica, espécies exóticas passam a ser consideradas “invasoras” quando ameaçam ecossistemas, habitats e a vida de outros seres vivos. 

Estudos têm mostrado que o plantio de pinus e eucalipto, as principais espécies utilizadas pela indústria, pode trazer riscos ao meio ambiente. Um estudo publicado pela revista Acta Limnologica Brasiliensia, da Associação Brasileira de Limnologia, identificou que nascentes em zonas tropicais «são afetadas negativamente pelas monoculturas exóticas de eucalipto, com uma diminuição da riqueza e diversidade de macroinvertebrados bentónicos», comparado com nascentes em áreas de mata nativa.

Na região da Chapada das Veredas, no Alto Jequitinhonha, em Minas Gerais, há relatos da comunidade local de que as monoculturas de eucalipto afetaram de forma significativa o fluxo das águas, interrompendo o ciclo hidrológico natural. O artigo «Metamorfose da chapada: monocultura de eucalipto e tomadas de terras e águas no Alto Jequitinhonha, Minas Gerais» mostra que «os maciços de eucaliptos influíram na dinâmica da água, secando mananciais, ocasionando insegurança hídrica em localidades».

O advogado André Alves de Souza representa algumas famílias da região e explica que a exploração da área começou na década de 1970, quando o governo distribuiu algumas terras a empresas privadas, e segue até hoje. Muitas famílias relatam que, com os extensos plantios de eucalipto,  as nascentes e rios da região foram afetados, e os modos de vida das populações locais também sofreram impactos em virtude da mudança nas paisagens e na disponibilidade hídrica. «Enfrentamos desafios uma vez que o governo estadual não interfere em prol das famílias da região», conta Souza. 

Valmir Macedo, coordenador geral do CAV (Centro de Agricultura Alternativa Vicente Nica), também denuncia a situação. «A monocultura do eucalipto mudou a paisagem do Alto Jequitinhonha, uniformizando o que era uma paisagem diversa e rica de água, alimentos, fauna, plantas medicinais, dentre outros. São muito evidentes os impactos», afirma. 

A maior parte das plantações de pinus estão localizadas no sul do país, enquanto as demais regiões são dominadas por eucalipto. Foto: Érica Fernanda/IAT

Medeiros afirma que a demanda por recurso hídrico destes plantios é muito acentuada e, mesmo respeitando a faixa de APP [Área de Preservação Ambiental], o desequilíbrio pode comprometer o fluxo de águas. 

O professor do departamento de Engenharia Florestal da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Alessandro Camargo Angelo, explica que é preciso fazer um estudo da região onde se pretende incorporar um projeto de silvicultura, de modo a adequar os parâmetros (características de meio ambiente e solo) e as expectativas quanto à produtividade ao mesmo tempo em que se preza pela conservação do solo e da biodiversidade. Ele comenta que na fazenda modelo, região metropolitana de Curitiba, onde pesquisas são conduzidas, existem, além dos plantios exóticos, áreas destinadas à regeneração da mata nativa.    

Da mesma forma como outras espécies, como a cana de açúcar, por exemplo, eucaliptos e pinus demandam grande quantidade de água para crescer, e o ambiente precisa oferecer este recurso.  Angelo destaca que quase todas as grandes estruturas antrópicas são contrárias à ordem natural, sendo que a «dimensão dos problemas ambientais já é maior que a resposta que a sociedade está dando». 

É necessário, então, aliar produção e conservação com estratégias de manejo e mitigação para preservar os recursos hídricos e o solo, além da própria condição ambiental para o cultivo. «A história da silvicultura e da agricultura no Brasil está repleta de histórias de zonas em que se praticava determinado tipo de cultivo e que hoje são áreas abandonadas por esgotamento do ambiente», afirma o engenheiro florestal. «Se desrespeitarmos esses limites, seja do ponto de vista hídrico, de solo ou biodiversidade, ficamos mais vulneráveis enquanto empreendimento e enquanto sociedade, em última instância.»  

Especialistas apontam que os recursos hídricos podem ser afetados pelo cultivo extensivo de pinus e eucalipto, espécies exóticas de crescimento rápido. Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil

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