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Mulheres agricultoras no Brasil melhoram produção com renováveis

Projeto “Energia das Mulheres da Terra” instalou biodigestores, bombas de água solar e sistemas fotovoltaicos em propriedades de mulheres agricultoras familiares em Goiás

Em 2009, quando chegou no assentamento Padre Ilgo, no município de Caiopônia, em Goiás, Agajoeme Alves Barreto e sua família não tinham acesso à água potável. “A nossa água era pouca e barrenta”, conta a agricultora de 46 anos. A realidade mudou em 2020, quando uma bomba de água solar foi instalada em uma reserva próxima e hoje abastece seis famílias de agricultoras familiares com água limpa. 

Agajoeme, mais conhecida como Nega, foi uma das 72 mulheres beneficiadas pelo projeto “Energia das Mulheres da Terra”, que instalou tecnologias sociais nas propriedades produtivas de mulheres agricultoras familiares no estado de Goiás. Além de bombas de água solar, também foram instaladas cisternas de captação de água da chuva, tanques de peixes, biodigestores sertanejos e sistemas solares fotovoltaicos. 

A iniciativa foi realizada pela Cooperativa Casa do Cerrado, focada em uma economia sustentável e agroecológica no bioma, e a Gepaf Assessoria Rural, uma empresa de assistência técnica voltada para a agricultura familiar. O projeto é financiado pelo Fundo Socioambiental da Caixa Econômica Federal. 

Ao todo 72 mulheres foram beneficiadas pelo projeto. Foto: Divulgação projeto Energia das Mulheres da Terra

O Energia das Mulheres da Terra, que tem o objetivo de valorizar a mulher do campo e as suas atividades, ainda beneficiou agroindústrias e cooperativas de mulheres, além de três Escolas Famílias Agrícolas, instituições de ensino que promovem uma integração entre a escola e as práticas agrícolas. 

“Além de viver melhor, agora a gente pode produzir melhor. O projeto é maravilhoso”, avalia Nega. Antes, ela só produzia e vendia a farinha de mandioca na propriedade, já que é um produto que não necessita de grande quantidade de água. Atualmente, com a água limpa, é possível produzir polvilho, frutas e verduras. “Jiló, quiabo, maxixe, abobrinha, pimenta malagueta, produzimos de tudo agora”, conta Nega. 

O aumento e a diversificação da produção permitiu que Nega e outras cinco mulheres pudessem ter uma renda própria ao participar dos Programas Nacionais de Alimentação Escolar, tanto o estadual quanto o federal, que entregam os produtos para a produção de merenda das escolas públicas. Nega conta que, antes do projeto, a renda familiar era da venda de leite: “Servia só para despesa mesmo, não sobrava nada”. 

Nega relata também que não precisa mais comprar diversos produtos que agora ela mesma produz, o que trouxe uma grande economia para a família. “Tem arroz, tem feijão, tem as verduras, tem o polvilho para o pão de queijo, tudo isso é menos um gasto”, ela conta. 

A agricultora diz que era praticamente impossível ter água onde as famílias estão. Segundo ela, a água estava disponível a 67 metros de profundidade, o que dificultava o processo. Hoje, a bomba fotovoltaica puxa essa água para uma cisterna para depois ser distribuída entre as famílias. A fonte fica em um local onde não há rede de energia elétrica. “Não tinha nem a possibilidade de a gente pensar em colocar uma bomba lá”, diz Nega. 

Mutirões

Boa parte das construções do projeto foram feitas por meio de mutirões, assim como a instalação da bomba de água solar e da cisterna do assentamento Padre Ilgo. O processo foi desafiador, mas prazeroso, segundo Nega. Ela relata que a experiência rendeu muitos aprendizados, e que hoje várias pessoas da comunidade sabem como construir e resolver problemas da tecnologia. 

O mutirão, quando várias pessoas se juntam para realizar uma atividade, é muito comum na cultura camponesa, afirma Gessyane Guimarães, coordenadora do projeto. O objetivo era não apenas fortalecer a comunidade por meio da solidariedade, mas também informar sobre as tecnologias, para que pudessem então ser disseminadas no campo. “Foi isso que sustentou o projeto até o fim, mesmo durante a pandemia”, explica Agnes Santos, comunicadora do projeto. 

Nos mutirões, as mulheres beneficiadas, assim como os membros de suas famílias e comunidade, aprendiam como construir e como funcionam as tecnologias. Segundo Iná de Cubas, articuladora e também beneficiada do projeto, foram poucos mutirões em que não estavam todas as mulheres beneficiadas com as suas famílias, mesmo que tivessem que se deslocar para uma região mais longe de suas casas. 

Boa parte das construções do projeto foram feitas por meio de mutirões. Foto: Divulgação projeto Energia das Mulheres da Terra

Biodigestor gera energia e fertilizante

Rosângela Aparecida Lopes Machado, de 48 anos, escolheu o biodigestor sertanejo para ser instalado em sua casa, um sistema que converte resíduos orgânicos, como esterco animal e restos de plantas, em biogás, que pode ser utilizado como fonte de energia. No caso de Rosângela, a energia produzida substitui o gás de cozinha. 

Trata-se de uma tecnologia de baixo custo e sustentável, uma vez que utiliza materiais orgânicos que já são produzidos no local. Além do biogás, o biodigestor produz o biofertilizante que pode ser usado como adubo, aliando assim a energia renovável com a gestão de resíduos. 

Rosângela escolheu essa tecnologia porque faz produtos assados para a merenda escolar (PNAE) e assim economiza no gás de cozinha, além de ter também um biofertilizante para a sua horta. 

Na sua propriedade na Fazenda Santana, em Vianópolis, Goiás, ela e a sua família produzem de tudo: legumes, arroz, feijão, farinha de mandioca, entre outros. A produção é usada para consumo próprio, mas também vendida para a merenda escolar e para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) do governo. 

Antes de a tecnologia ser instalada, Rosângela conta que gastava cerca de 109 reais brasileiros para comprar um botijão de gás por mês. Hoje, ela só tem um botijão de gás de reserva e nunca mais precisou comprar outro, o que foi uma economia significativa no orçamento familiar. 

O biodigestor também impactou na produção da horta, conta Rosângela, que triplicou desde que começaram a utilizar o biofertilizante. “A gente chega a ter alface de quase 1 quilo”, relata ela. 

Outro benefício foi facilitar e agilizar a produção. Ela relata que agora não precisa mais ficar carregando o esterco na mão para adubar a horta: “Meia lata de biofertilizante faz o mesmo efeito que carregar uns dois ou três carrinhos de 70 quilos com esterco. Diminuiu bastante o esforço”.

A agricultora, que produz sob uma perspectiva agroecológica, destaca ainda a importância da sustentabilidade que o projeto promove: “Esse esterco bovino ia ficar lá e prejudicar o meio ambiente, o gás que iria para a atmosfera a gente acondiciona e gasta ele. É um cuidado que a gente tem com a natureza também”. 

A casa de Rosângela conta com um aquecedor solar para esquentar a água do chuveiro, tecnologia que conseguiram com outro projeto social. Ela conta que, vendo os benefícios das energias renováveis, gostaria também de ter energia solar para toda a casa. 

Fundo solidário

O projeto desenvolveu um fundo solidário para que mais mulheres pudessem ser beneficiadas. Cada projeto familiar teve um orçamento de 5 mil reais. Desse valor, 10% foi destinado ao fundo, para que a cada 10 mulheres, uma a mais pudesse ser beneficiada. 

Essa era uma das contrapartidas do projeto, explica a coordenadora, a fim de ampliar e fortalecer a noção de coletivo. Ela enfatiza que o projeto utilizou de quatro tecnologias sociais, ou seja, que solucionam problemas sociais e necessitam da participação ativa da comunidade. “Nós temos como base fazer a formação da comunidade, especialmente das mulheres, mas da comunidade como um todo”, explica a coordenadora. 

Além disso, são tecnologias mais baratas, que utilizam materiais acessíveis, como o ferro cimento que foi utilizado na maioria dos biodigestores. 

Outro aspecto que Gessyane ressalta sobre o projeto é a busca por desenvolvimento no contexto do bioma Cerrado, buscando aliar o avanço econômico com a preservação ambiental. Nessa perspectiva, era importante também que fossem plantadas árvores nativas do Cerrado para compensar o impacto ambiental gerado pelo projeto. “A gente gasta fio de cobre, cimento, então gasta combustível fóssil para esses materiais das tecnologias. Então o objetivo é equilibrar isso com a plantação das árvores”, explica. 

Além de bombas de água solar, também foram instaladas cisternas de captação de água da chuva, tanques de peixes, biodigestores sertanejos e sistemas solares fotovoltaicos. Foto: Divulgação projeto Energia das Mulheres da Terra

Uma questão de gênero

O projeto buscou trabalhar o desenvolvimento social, econômico e ambiental das propriedades sob uma perspectiva agroecológica, a fim de dar visibilidade para as multi atividades da agricultura familiar, especialmente aquelas realizadas pelas mulheres. 

“A mulher tem um papel muito importante de cuidado e de produção na propriedade. Grande parte das mulheres desse projeto produzem no quintal, o que significa soberania alimentar para a família, e também tem um caráter econômico”, explica Gessyane. 

Agnes observa que o projeto busca contribuir para minimizar as questões de divisão sexual do trabalho dentro da agricultura familiar. “As mulheres do campo muitas vezes são relegadas, desvalorizadas, mas nesse projeto é ela que é consultada, entrevistada, assessorada [tecnicamente]. É a mulher que é sujeita de direitos”, explica a comunicadora do projeto. 

Outro impacto é na renda da mulher com a economia de recursos, após as instalações das tecnologias. Além disso, as produções se fortalecem, ficam com mais qualidade e maior produtividade, o que também gera um efeito positivo no orçamento da beneficiária. 

Iná, que foi uma das beneficiadas e articuladora do projeto, destacou que a atitude das mulheres mudou completamente desde a primeira visita na propriedade. “Você via que ela [as mulheres] não tinha decisão ali dentro. E aí depois do envolvimento dela na construção da tecnologia, ela via que podia ter decisão na família também, que aquilo ali fazia parte do trabalho dela”, conta. 

Formações para construir são necessárias

Entre os desafios, as mulheres citam que o processo de construção das tecnologias necessita de orientação. Como se trata de algo que era até então desconhecido para a maioria das participantes, as formações foram essenciais para assegurar o sucesso na implementação dos sistemas. 

Gessyane também acredita que esse é um dos desafios. Para ela, é necessário encontrar uma maneira menos penosa de trabalho. “São tecnologias que têm total viabilidade depois de prontas, mas construir pode ser difícil. O desafio é encontrar pessoas que queiram se especializar e continuar trabalhando com elas”, explica.  Ela relata que houve pessoas que foram formadas para as construções, mas que acabaram não ficando no projeto. 

Além disso, o valor disponibilizado possibilitou as construções sem impactar a renda familiar. 

Ainda que as mulheres tenham interesse em ter outras tecnologias de energia renovável em suas casas, a renda disponível acaba sendo direcionada para outras prioridades. 

Agora, as mulheres esperam que mais pessoas possam ser beneficiadas. Elas relatam que interesse não falta, já que muitas pessoas ficam curiosas para saber mais sobre os sistemas que instalaram em suas propriedades. “Muitos chegam aqui, perguntam, querem saber como fazer também”, conta Rosângela.

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