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Quilombo tenta driblar as dificuldades para expandir sistema de energia solar instalado há dez anos em Niterói

Comunidade se mobilizou para instalar placas solares e levou um projeto de lei de incentivo à renováveis à Câmara Municipal, mas uma década se passou sem que houvesse avanços.

Quem chega ao Quilombo do Grotão, na cidade de Niterói, no Rio de Janeiro, caminha poucos minutos em uma rua de terra até avistar uma casa com uma estrutura de madeira logo em frente à varanda. Na cobertura estão instaladas quatro placas fotovoltaicas para gerar energia solar. O projeto foi realizado há dez anos e continua trazendo economia na conta de energia para a comunidade tradicional – mas o sistema não se expandiu, muito menos tornou-se política pública, como era o desejo dos quilombolas na época em que o projeto foi lançado. 

O quilombo (uma comunidade formada por descendentes de negros escravizados, que mantém tradições de culturas africanas) tem cerca de 60 moradores, e está situado no bairro Engenho do Mato. Há dez anos a comunidade se engajou na proposta de geração de energia solar, e visava ser um modelo para outras comunidades na região. Na época, com muita mobilização, foi realizado um um crowdfunding, a famosa vaquinha, para financiar o projeto. De 2014 para cá, apesar de funcionar muito bem,  o sistema não expandiu. 

Na época, o financiamento arrecadou cerca de 10 mil reais brasileiros, o que representa atualmente quase 18 mil reais, e possibilitou a instalação de um sistema de 120kWh por mês. Para conseguir a quantia, eles contaram com a ajuda não só dos próprios moradores, mas de pessoas externas à comunidade, inclusive de fora do Brasil. Os quilombolas tiveram apoio de Organizações Não-Governamentais, políticos e pesquisadores alinhados com a pauta ambiental. Durante o projeto, os moradores foram capacitados para trabalhar na instalação. A partir da inauguração, escolas da região passaram a fazer visitas educativas com os alunos – sistemas do tipo eram uma novidade – e aqueles que colaboraram com a vaquinha também foram ver de perto a realização.

Quilombo do Grotão é resistência com cerca de 60 descendentes de escravizados. Foto: Bibiana Maia da Silva

A escolha da casa para receber o sistema considerou o benefício coletivo, ainda que apenas uma família fosse diretamente beneficiada. Todos os finais de semana tem samba e feijoada (um prato típico brasileiro) no quilombo e cada família é responsável por alguma parte da organização. Maria Isabel Lisboa Machado, de 70 anos, é a doceira da comunidade. A aposentada, filha do meio de seis irmãos, produz sacolés para refrescar os visitantes, além de doce de abóbora, mamão e laranja da terra, frutos plantados ali perto. Por isso, a conta de energia que abastece o freezer dos geladinhos, na casa de Maria, era uma das mais caras na época. Então o local foi escolhido para receber os primeiros painéis, quando a expectativa ainda era que mais casas fossem beneficiadas ao longo do tempo. 

Atualmente, a doceira divide a casa com uma filha. São três quartos, dois banheiros, sala, cozinha e a varanda que tem vista para as placas solares. Além de freezer, ela tem geladeira, televisão, máquina de lavar e chuveiros elétricos. A conta chegou a custar 900 reais antes do sistema de energia, mas atualmente atinge no máximo 129 reais. “Se eu não tivesse as placas, eu ia sacar o dinheiro da aposentadoria só para pagar essa conta”, relata ela, frisando que o equipamento nunca apresentou defeitos.

O engenheiro Sérvulo José Oliveira de Barros trabalhou na instalação do projeto. Ele explica que o que foi aplicado é um sistema sem bateria que entrega o excedente produzido para a rede, que abate na conta de luz. Na época, a redução na conta de Maria Isabel foi de 50%, segundo o especialista. São quatro placas, mas o sistema já foi preparado para uma possível expansão, para receber até 40. Ainda que a redução seja significativa, ele alerta que não é o suficiente para zerar a conta de energia. A concessionária que atende o município, a Enel RJ, cobra a segunda tarifa mais cara do país, perdendo apenas para a Equatorial Pará.

Sistema de placas solares é ligado diretamente na rede de fornecimento de energia. Foto: Bibiana Maia da Silva

Segundo o engenheiro, houve grande burocracia na época para ligar o sistema solar do quilombo à rede. Como desafios no local, ele citou também o sombreamento. As poucas casas que têm dois andares são as mais propensas a receber as placas por estarem acima das copas das árvores. “Tem o sombreamento e não pode mexer no que está em volta [por ser área de preservação]. Precisa fazer adaptações. Por causa do sol, não pode estar em mata fechada. Nesse caso, era um espaço de campo aberto”, diz ele. O quilombo está dentro do Parque Estadual da Serra da Tiririca.

Mas o que impediu de fato a expansão do sistema foi a falta de financiamento, e a recusa do poder público, à época, de investir em energia solar. 

Projeto de Lei barrado na Câmara Municipal

Renatão do Quilombo não desistiu de criar política pública de energia renovável para comunidades. Foto: Bibiana Maia da Silva

Para conseguir o tão sonhado sistema de energia solar para toda a comunidade, o quilombo precisava de financiamento. Estava claro que apenas com dinheiro de doações não seria possível arrecadar toda a verba necessária. 

Por isso foi de iniciativa do quilombola José Renato Gomes da Costa, o Renatão do Quilombo, hoje com 56 anos, um projeto de lei que garantiria financiamento público para projetos de geração de energia solar. Renato era suplente de vereador, e só assumiu a posição por dois meses, durante a licença do vereador Paulo Eduardo Gomes. Foi tempo suficiente para levar o projeto para a Câmara. Renatão se tornou o primeiro quilombola vereador do estado do Rio de Janeiro.

Placas solares estão funcionando há dez anos e não apresentaram defeitos. Foto: Bibiana Maia da Silva

O Projeto de Lei 309/2013 previa a criação de um fundo municipal de energia alternativa para instalação de placas fotovoltaicas nas unidades residenciais, comerciais e industriais no município de Niterói. A ideia é que o poder público ajudasse a financiar principalmente a instalação em comunidades periféricas. 

Ao perceber que o projeto não avançava na Câmara, Renatão e a comunidade se mobilizaram para instalar o projeto-piloto. Foi assim que fizeram a vaquinha, em 2014, e conseguiram instalar as quatro placas que funcionam até hoje. A ideia era demonstrar o funcionamento do sistema para acelerar a discussão na Câmara e conseguir aprovar a legislação que incentivava uma transição para renováveis. 

“A gente carrega o ‘não’ dentro do bolso, já tá aqui, então é certo, tá no bolso. Nada mais justo do que a gente tentar lutar”, diz Renatão. Apesar de conseguirem mostrar na prática como funcionaria o projeto, o “não” realmente veio. Em 2015, a proposta foi votada e arquivada pela Comissão Permanente de Constituição e Justiça, não chegando à plenária para ser avaliada por toda a câmara.

Nesses dez anos, desde o começo do projeto, enquanto o quilombo enfrentou dificuldades para ampliar o sistema de energia solar, a matriz energética chegou aos bairros vizinhos, de classe média alta. A paisagem é permeada de casarões com placas fotovoltaicas nos telhados.

Dona Maria Isabel, doceira da comunidade, economiza 50% no valor da conta de energia. Foto: Bibiana Maia da Silva

Origem do quilombo tem cem anos, mas a espera continua pela titulação das terras

O nome do bairro onde fica o Quilombo do Grotão é, na verdade, o nome da Fazenda Engenho do Mato, onde os avós de José Renato foram trabalhar. Manoel Bonfim e sua esposa Maria Vicência, descendentes de negros escravizados, foram atuar nos anos 1920 na produção de farinha. Com a falência do negócio, nos anos 1940, os donos da fazenda  deram seis alqueires de terra e 2 mil mudas de bananas, que se tornaram a nova plantação local.

Em 1955, eles passaram a enfrentar a especulação imobiliária na região, que acabou ocupando parte das terras. Em 1960, Renatão conta que o estado freou o processo fazendo uma “mini reforma agrária na serra”. Nas décadas seguintes, a família passou a ser encarada como uma ameaça para a proteção daquela região. “Os ambientalistas simplesmente chamavam a gente de invasores da Serra da Tiririca, e não é né?”, lembra. 

Em 1991, o Parque Estadual da Serra da Tiririca foi criado, mas a presença dos quilombolas não foi levada em conta. Em 2003, com a criação do plano de manejo da unidade de conservação, eles passaram por uma batalha para não serem retirados do local. Uma emenda garantiu a permanência de casas que estavam na região há mais de 50 anos, e estabeleceu o impedimento de construção de novas casas.  Apesar de haver 60 moradores no quilombo, a árvore genealógica da família compreende mais de 100 pessoas. 

Espaço homenageia grandes nomes do samba e da cultura afrobrasileira. Foto: Bibiana Maia da Silva

O processo de se entender um quilombo aconteceu enquanto resistiam para não sair do local. Para isso, Renatão conta que foi importante a aproximação com Organizações Não-Governamentais e professores e alunos da Universidade Federal Fluminense (UFF), que realizaram diversas pesquisas históricas e antropológicas com a comunidade. Foi também nessa luta para não sair do parque que eles entenderam a importância de se organizar e criaram a Associação da Comunidade Tradicional do Engenho do Mato (Acotem), para que pudessem ser ouvidos em audiências públicas enquanto entidade. Apoiados pelas pesquisas acadêmicas, em 2016 a Fundação Cultural Palmares reconheceu a comunidade como um quilombo, mas o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) ainda não concedeu a titulação das terras.

Para criar a associação, eles precisaram conseguir dinheiro para os custos burocráticos. Daí veio a ideia de fazer feijoada e vender para os amigos que já costumavam aproveitar os finais de semana no quilombo. Foi assim que começou o movimento de uma intensa programação cultural. Até hoje, todos os finais de semana, tem roda de samba com feijoada, além de rodas de capoeira, e o local foi reconhecido como Ponto de Cultura pelo programa Rede Cultura Viva de Niterói.

Todo o processo de resistir às tentativas de serem retirados do parque culminou na organização social que viabilizou a instalação das placas solares. O lucro obtido com os eventos do feijão é o que financia a infraestrutura básica do quilombo, quando o poder público não o faz. Até investimentos em saneamento básico foram feitos com essa verba. 

O sonho de ter todo o quilombo abastecido com energia solar não morreu, mas a verba é insuficiente, por mais que se coloque água no feijão. Renatão não desanima. Ele segue tentando se eleger, e conta que vai colocar a energia solar em pauta novamente nas eleições deste ano. Ele busca alternativas, junto com o parceiro Sérvulo, para ampliar o sistema. Eles também querem instalar um biodigestor e fazer uma cozinha comunitária. A intenção é buscar financiamentos por meio de parcerias com universidades.

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