Presente nas praias do litoral brasileiro, em lanchonetes ou em gôndolas dos mercados, em sua versão engarrafada, a água de coco tornou-se um símbolo do verão nacional e um importante produto para a agroindústria . Segundo dados da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa 2021), a produção anual supera 2 bilhões de toneladas de frutos (somadas as produções de coco verde para o consumo da água de coco, por exemplo, e do coco seco para outros fins).
A produção do coco é relevante para a economia do país, no entanto, o descarte de toneladas da casca tornou-se um problema ambiental, pois resíduo aumenta o volume de lixo em aterros.
“Todo mundo gosta de tomar a sua água de coco na praia, de fazer a comida com leite de coco, mas a casca é um problema porque ela se deteriora e polui o lençol freático”, afirma o professor Dr. Antônio Carlos Fernandes, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), um dos orientadores da tese de doutorado elaborada por Érica Albuquerque em 2013. O estudo resultou na patente “Processo de hidrólise enzimática sob alta pressão hidrostática a partir de resíduos agroindustriais”, que permite criar um biocombustível feito a partir da casca do coco.
“Os resíduos do coco verde podem constituir uma valiosa fonte de matéria-prima para a produção de etanol, visto que seu mesocarpo fibroso [parte aproveitada na produção do combustível] representa 79% a 81% dos resíduos do coco”, destaca Albuquerque em sua tese.
Apesar da pesquisa ter sido bem sucedida, dificilmente os consumidores vão poder abastecer seus automóveis com etanol de coco, pelo menos em um futuro breve.
Há outras pesquisas a respeito do aproveitamento da casca de coco para biocombustíveis. A Ufes disponibiliza ao menos sete teses e dissertações que analisam a eficiência dos processos para a produção do etanol de 2ª geração, mas nenhum dos estudos atingiu o patamar de sair dos laboratórios para a produção industrial. “A principal resistência é o investimento na inovação. Existe um grande vale entre a pesquisa e a indústria. Tem um buraco enorme que você tem que fazer a ponte, e a ponte custa dinheiro”, explica Fernandes.
A busca por soluções para a casca de coco verde
A equipe do Laboratório de Biotecnologia Aplicada ao Agronegócio da Ufes, liderada pela Dra. Patricia Fernandes, passou a ter mais interesse em soluções para a casca do coco durante uma pesquisa para manter as características da água de coco in natura, após o envazamento, sem adição de produtos químicos.
Durante os estudos, os pesquisadores visitaram uma indústria de envasamento. “Tinham montanhas de 20, 30 metros de altura de casca de coco apodrecendo e a empresa com um problema enorme para se livrar daquele lixo. Começamos a pensar em uma solução tecnológica, a partir do problema”, relembra Fernandes.
Diante das já conhecidas barreiras para que as inovações alcancem escala industrial, o objetivo com a patente, explica o professor, é o de incentivar a indústria a aplicar a tecnologia nos processos internos. “Hoje, não é viável que essa tecnologia chegue aos postos, é mais para as empresas que têm o foco de processamento de coco para energia”, enfatiza.
Curiosamente, a história do coqueiro anão no Brasil também surge a partir de uma pesquisa, que foi realizada pelo Doutor Arthur Neiva, em 1920. Nessa época, Neiva era pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e, durante um mês, viajou ao Oriente Médio para estudar a espécie.
Registros da Associação Nacional dos Produtores de Coco (APROCOCO) indicam que Neiva retorna ao Brasil e ministra em uma conferência sobre as propriedades do coqueiro que, até então, não era cultivado no país. Quatro anos depois, o ministro da Agricultura da época, Dr. Miguel Calmon, importa centenas de mudas de coqueiros verdes vindos das Índias. Foram anos em busca de adaptações, controles de pragas e por metodologia de cultivo até chegar à escala industrial como conhecemos hoje.
Mais de 100 anos depois, o descarte da casca de coco é um problema dessa cadeia industrial. Na outra ponta, o incentivo à produção de biocombustíveis é uma das bandeiras do país quando o assunto é transição energética. Porque, então, apesar da existência da patente, não há expectativa para fabricação do combustível de coco?
Empasses entre a universidade e a indústria
O superintendente de estudos econômicos e energéticos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Luciano Bastos Oliveira, observa que os entraves entre a academia e a indústria são antigos. “O upgrade da pesquisa na universidade para chegar a uma patente, e daí virar um empreendimento, é um problema tradicionalmente conhecido, é histórico, isso porque sempre o novo precisa obter um mercado existente em que grandes investimentos realizados estão disputando aquele mercado”, explica.
Oliveira é, inclusive, coinventor de duas patentes relacionadas ao biodiesel; uma que propõe a produção com escuma de esgoto e outra que usa o material de caixas de gordura. “São técnicas inovadoras, utilizam resíduos que oneram a sociedade, geram postos de trabalho no país ao substituírem parte das importações de óleo diesel, mitigam emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa e são mais baratas que o biodiesel de outros insumos. Mesmo assim, não foi identificado interesse em licenciamento e aproveitamento como atividade industrial”, conta.
O superintendente comenta que a indústria avalia os custos para investir em inovações. “De todo modo, seja a casca de coco, sejam os resíduos de poda de árvore, sejam os resíduos de feira, todos os resíduos orgânicos que proporcionam o etanol de segunda geração serão atraentes, no ponto de vista da descarbonização, desde que seja uma coisa barata. A sustentabilidade do mundo passa por essa questão. Tem uma composição de oportunidades que precisam ser avaliadas e integradas para vencer esse problema chamado ‘vale da morte’ entre o desenvolvimento de uma patente e a efetivação disso no processo produtivo”.
Para o Ph.D em finanças, professor, e pesquisador sobre o etanol brasileiro e commodities, Rafael Palazzi, “o Brasil investe pouco em pesquisa e desenvolvimento”, e mesmo que a universidade chegue a inovações, as barreiras na fase da pesquisa ainda existem. “Você tem o trade off (dilema) de ir para a academia ou para o mercado, e o mercado paga sempre mais”. Ele também ressalta que “o governo tem que dar o subsídio, não para as empresas, e sim para fornecer mais tecnologia. Só assim que consegue aumentar a demanda”.
Palazzi acredita que “o atual governo é um pouco ambíguo. Ele tem uma retórica de implementar mais para essa parte sustentável, mas, ao mesmo tempo, foca muito na política de preços da Petrobras. Se você dá subsídio para os combustíveis fósseis, você inibe o mercado que pode surgir de energia sustentável”.
Cadeia de etanol de cana-de-açúcar é a mais estabelecida
Em 1975, o Brasil criou o Programa Nacional do Álcool, Proálcool, dando protagonismo ao etanol oriundo da cana-de-açúcar em resposta à crise dos combustíveis à base de petróleo daquela época. Entre mudanças, erros, acertos e novas legislações, a cana continua como principal matéria-prima do etanol produzido no país.
O produto é o concorrente mais expressivo em termos de produção e logística no Brasil, seguido pelo biodiesel (produzido a partir de óleos vegetais ou de gorduras animais, segundo definição da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e pelo milho.
De acordo com nota técnica da EPE, a valorização do setor sucroenergético no mercado internacional refletiu também na produção de biocombustíveis, com destaque para o etanol a partir da cana-de-açúcar. Para as unidades que utilizam exclusivamente a cana-de-açúcar, o fator de capacidade de moagem e de produção de etanol foi de 90%. Mas, de acordo com Angela Oliveira da Costa, superintendente de estudos do Petróleo, Gás e Biocombustíveis na EPE, há outras pesquisas em andamento. “A gente faz pesquisas para favorecer outras localidades e outras matérias-primas. Temos perseguido isso”.
O Brasil produz tanto o Etanol de Primeira Geração (E1G) quanto o Etanol de Segunda Geração (E2G) – utilizando a matéria-prima ou seus resíduos, respectivamente.
Com incentivos internacionais mais expressivos que o mercado nacional, o E2G tem sido exportado. “O etanol de 2ª geração que a gente produz no Brasil, a gente está exportando. Não fica um microlitro aqui porque lá fora se paga mais caro porque têm as metas [ambientais]”, indica Costa.
“Os resíduos valem mais no exterior porque aqui eles iriam para aterros sanitários e se decompõem produzindo metano que é muito mais agressivo ao ambiente, no ponto de vista do efeito estufa, do que o CO². Quando esse insumo é utilizado para fazer biocombustível há uma mitigação de metano do aterro e há a produção do biocombustível que também substitui o combustível fóssil. Tem um benefício ambiental muito maior que o etanol de cana de primeira geração”, pontua Oliveira.
Depois da cana-de-açúcar, o milho é a matéria-prima mais usada na produção de etanol. De acordo com o superintendente da EPE, Rafael Barros Araújo, “o milho vem despontando bastante em função de um dos condicionantes de implantação industrial bem mais baixo que o da cana e do etanol de segunda geração a partir da biomassa”, destaca.
Para a produção do etanol com casca de coco, ele indica que “apesar da escala ser menor é possível haver alguma vantagem, ou aproveitar alguma oportunidade para fazer alguma produção e alcançar esses mercados, mas isso é função de uma necessidade de avaliação técnico-econômica de cada empreendimento, de insumo, escala, coleta, dependendo de onde vai ter esse resíduo de coco”.
Óleo de soja é o mais usado na produção de do biodiesel no Brasil
Outro biocombustível que tem crescido no Brasil é o biodiesel. O superintendente da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil, Julio Cesar Minelli, indica que ele “é um produto que polui muito menos que o produto que ele substitui, o diesel fóssil, emite menos particulados e menos gases de efeito estufa”, diz. “Para o biodiesel, a matéria-prima principal é o óleo de soja porque o Brasil tem uma grande capacidade de produção”, destaca.
Questionado a respeito da produção de soja afetar o meio ambiente, em caso de monocultura, Minelli destaca que a indústria aproveita o resíduo da indústria de alimentos. “Nós esmagamos, hoje, cerca de 50 milhões de toneladas de soja, o que faz com que a gente tenha em torno de 10 milhões de toneladas de óleo. Para atender o setor alimentício, a gente não gasta mais do que 3,2 [milhões de toneladas de óleo de soja]. O que a gente faria com os outros 6,8 [milhões de toneladas]? No Brasil, nós pegamos esse óleo, que é um resíduo, e transformamos ele em uma energia limpa e sustentável”.
Cenário atual para os biocombustíveis produzidos no Brasil
Apesar dos desafios, a indústria brasileira possui tecnologias que favorecem o mercado dos biocombustíveis com capacidade de expansão para consumo interno e externo.
O Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2024 indica que a produção de biodiesel B100 foi de 7.527.659 m³ em 2023, o que representa um aumento de 20,35% em relação ao ano de 2022. Para o etanol anidro (adicionado à gasolina em refinarias) e o etanol hidratado (conhecido como etanol comum que abastece os carros), o anuário indica que houve a produção de 35.380,25 m³ com um percentual de 15,48% de aumento.
Desde 2017 o país mantém o RenovaBio, uma política liderada pelo Ministério de Minas e Energia (MME) que visa expandir a produção de biocombustíveis, com o aprimoramento de questões regulatórias, políticas, e com a superação dos desafios técnicos. O RenovaBio tem quatro eixos estratégicos: o papel dos biocombustíveis na matriz energética, o equilíbrio econômico e financeiro do mercado, a definição de regras de comercialização e os novos biocombustíveis. No país existem 60 usinas de biodiesel, em 15 estados, nas cinco regiões brasileiras, de acordo com o MME.
Durante a 28ª Conferência das Nações Unidas para Mudanças Climáticas (COP28), em Dubai, em 2023, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, anunciou que o Brasil vai investir R$ 200 bilhões no setor de biocombustíveis até 2034. Mas planos específicos para a diversificação das matérias-primas não foram divulgados na ocasião.