G20 no Brasil termina com apoio a fundos verdes e bioeconomia, mas tom sobre combustíveis fósseis incomoda

Apesar do compromisso de triplicar investimentos em fontes renováveis e duplicar recursos para eficiência energética, declaração de líderes do G20 não faz menção à erradicação de combustíveis fósseis. O documento, contudo, endossa a criação de um fundo para a proteção de florestas (TFFF) e de plataformas para financiamento de países, com o intuito de captar investimentos internacionais para acelerar a transição energética.

Sob a presidência do Brasil este ano, o G20 contemplou a agenda climática e de transição energética como nunca antes havia sido feito no grupo que reúne as 19 maiores economias do mundo, a União Europeia e a União Africana. Ao término da Cúpula de Líderes, que ocorreu nos dias 18 e 19 de novembro, na cidade do Rio de Janeiro, sete páginas foram dedicadas a esses temas na declaração final

Apesar disso, lideranças da sociedade civil apontam que o texto foi pouco incisivo em relação ao uso de combustíveis fósseis e tímido no apoio que se esperava à Conferência do Clima das Nações Unidas, em Baku, no Azerbaijão (COP29), que discute o Novo Objetivo Coletivo Quantificado de Financiamento Climático (NCQG) e termina nesta sexta-feira (22 de novembro).

A presidência brasileira estabeleceu três prioridades no G20: inclusão social e combate à fome e à pobreza; desenvolvimento sustentável, transições energéticas e ação climática; e reforma das instituições de governança global. 

Com o trabalho ao longo do ano dividido em duas trilhas (de Finanças e de Sherpas), a grande vitória brasileira foi a construção de uma Aliança Global Contra a Fome e a Pobreza, que teve adesão de 82 países – os 21 membros do G20 e outras nações interessadas. A Argentina, que resistiu, voltou atrás e acabou assinando.

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Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, durante sessão de encerramento da Cúpula de Líderes do G20 e cerimônia de transmissão da presidência do G20 do Brasil para a África do Sul. Rio de Janeiro – RJ. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Conhecido por ser um fórum econômico e financeiro, o G20 tem ganhado novas camadas. Em edições anteriores, a proteção ambiental e a transição energética já apareciam nos eixos de trabalho. Neste ano, contudo, os temas tiveram uma dimensão maior, a ponto de o fórum ser apelidado de “G20 do Clima”. O texto final apoia, por exemplo, esforços para triplicar a capacidade de energia renovável global e duplicar a taxa média anual global de melhorias na eficiência energética, dois compromissos assumidos no ano passado na COP28 em Dubai.

A declaração dos líderes reconhece ainda a necessidade de ampliar o financiamento e investimento climático público e privado para os países em desenvolvimento. Além disso, admite a importância de otimizar as operações dos fundos verticais climáticos e ambientais, em linha com o que foi aprovado no Relatório de Finanças Sustentáveis do G20 2024 e no Roteiro de Finanças Sustentáveis.

“Nós incentivamos esses fundos a trabalhar em conjunto, dar passos concretos para desbloquear todo o seu potencial e melhorar a acessibilidade, inclusive por meio de uma aplicação comum e maior cooperação com os BMDs [bancos multilaterais de desenvolvimento] e as instituições nacionais de desenvolvimento”, diz a declaração

O conselheiro internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Marcos Caramuru, avalia que, embora não se tenha alcançado o resultado ideal em relação aos pontos de financiamento climático no G20, o tema não ficou subestimado nas conclusões do fórum. “Não se chegou a uma realidade totalmente transformadora, mas deram-se alguns passos que vão fazer a diferença”, diz.

Caramuru, que foi embaixador do Brasil na China (2016-2018), cita avanços “relevantes”, como o roteiro para o trabalho dos bancos multilaterais de desenvolvimento, o que deve facilitar a concessão de empréstimos. Ele também avalia que a grande frustração tem a ver com o fato de os chefes de Estado não terem endossado, no G20, a ideia de eliminação do uso dos combustíveis fósseis. 

Na única citação direta, no parágrafo 50, a declaração apenas reitera o compromisso assumido em anos anteriores “de eliminar gradualmente e racionalizar, a médio prazo, subsídios ineficientes a combustíveis fósseis que incentivam o consumo excessivo”.

“O tema não foi tratado diretamente, mas ele foi incorporado a instrumentos endossados pelo G20 e que fazem parte dos anexos da declaração. De alguma forma, essa preocupação apareceu, e o Brasil chegou a propor uma linguagem mais ambiciosa nesse segmento, mas ela não pôde ser aprovada”, afirma Caramuru.

A declaração também diz que os líderes subscrevem “inteiramente” o resultado da COP28 em Dubai, em particular o Consenso dos Emirados Árabes e seu primeiro Balanço Global do Acordo de Paris (GST-1). Para o embaixador, o trecho foi uma menção indireta aos compromissos assumidos na cúpula climática do ano passado rumo à descarbonização.

O gerente de projetos do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA), Ricardo Baitelo, que é coordenador da Coalizão Energia Limpa no Brasil, avalia que a diluição do compromisso de transição para longe dos combustíveis fósseis — acordado na COP28 — representa um passo para trás na declaração. “Estruturar uma transição justa para os países em desenvolvimento e suas populações vulneráveis ​​é uma prioridade urgente”, diz.

Bioeconomia, Oceanos e Florestas entram na declaração

Em outra conquista brasileira, a Declaração do Rio aborda os 10 Princípios de Alto Nível para a Bioeconomia, aprovados na Iniciativa para a Bioeconomia do G20 (GIB), resultado de um esforço inédito que teve subsídios técnicos e estudos financiados por entidades da sociedade civil. 

Os princípios preveem esforços para incluir os povos indígenas e comunidades locais, mitigar os efeitos das mudanças climáticas globais, contribuir para a conservação da biodiversidade e promover padrões de consumo e produção sustentáveis, entre outros.

O texto final de líderes também cita o desmatamento como um problema e endossa a iniciativa brasileira para a criação do Fundo Florestas Tropicais Para Sempre (TFFF), reconhecendo-o como uma “ferramenta inovadora” para a conservação florestal e para a sobrevivência dos povos que vivem na floresta. O fundo não foi efetivamente criado, mas recebeu o apoio do G20 – o que foi comemorado pelo governo brasileiro, que planeja lançar o mecanismo na COP30 em Belém, em 2025. 

Em continuidade aos esforços do G20 na Índia – país que em 2023 antecedeu a presidência brasileira —, os oceanos também entraram na declaração, com menção à necessidade de planejamento e a gestão adequados para garantir a proteção do ambiente marinho. O texto convoca todos os países para a rápida entrada em vigor e implementação dos acordos sob a sob a estrutura jurídica da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.

G20 incentiva Plataformas Nacionais de Investimento

Como resultado da Mobilização Global contra a Mudança do Clima, força-tarefa mista do G20, a declaração de líderes deu apoio à criação de plataformas nacionais de financiamento. A iniciativa busca viabilizar um menu de opções para que os países captem e acelerem investimentos climáticos externos de acordo com as prioridades domésticas. 

O incentivo à criação dessas plataformas foi um dos pontos de consenso entre inúmeras divergências na força-tarefa. O G20, grupo heterogêneo, formado por países do Norte e do Sul Global, teve dificuldade de concluir um relatório que contemplasse todas as visões. 

Em outubro, durante a 4ª reunião de ministros de Finanças e presidentes de Bancos Centrais do G20, em Washington (EUA), o Brasil anunciou a criação da BIP – Plataforma Brasil de Investimentos Climáticos e para a Transformação Ecológica. 

Na COP29, representantes brasileiros apresentaram mais detalhes do mecanismo, que tem US$ 10,8 bilhões (R$ 62 bilhões) em iniciativas aprovadas pelo governo que precisam de financiamento para entrar em execução. Entre as prioridades brasileiras, estão hidrogênio verde, bicombustíveis, aço de baixo carbono e fertilizantes verdes.

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Sessão da Reunião de Líderes do G20: Desenvolvimento Sustentável e Transição Energética. Foto: Alexandre Durão/G20

Apoio do G20 à COP29 chega por meio de bancos multilaterais

Ao reiterar a Declaração dos Líderes de Nova Délhi, na Índia – que antecedeu a presidência brasileira no G20 –, o texto final da Declaração do Rio fala sobre “aumentar rapidamente e de forma substancial o financiamento climático de bilhões para trilhões a partir de todas as fontes”. O trecho foi entendido como um aceno às negociações da COP29.

Atualmente, a meta coletiva de financiamento climático está em US$ 100 bilhões anuais – valor que precisa ser repassado pelos países ricos aos emergentes para que possam se adaptar às mudanças climáticas. As divergências na COP começam pelo valor, que vão de US$ 200 bilhões a US$ 1,3 trilhão. 

Enquanto no G20 os recursos podem vir de fontes diversas (públicas, privadas, filantropia e bancos multilaterais, entre outras), nas COPs a disputa é por recursos públicos e dos países desenvolvidos aos em desenvolvimento.

O World Resources Institute (WRI) aponta que o mundo precisa de cerca de US$ 6,5 trilhões por ano, em média, até 2030, para a transição da economia, incluindo investimentos para a redução de emissões e adaptação. 

A diretora de Clima do WRI Brasil, Karen Silverwood-Cope, avalia que o consenso do G20 sobre a necessidade de reforma da arquitetura global de financiamento e melhoria de acesso a fundos verdes pode influenciar as discussões do NCQG na cúpula em Baku. 

“No comunicado, os países do G20 concordam que é necessária uma reforma da arquitetura de financiamento dos bancos multilaterais de desenvolvimento para o sucesso da ação climática. Com ativos que ultrapassam US$ 23 trilhões em 155 países, os bancos multilaterais de desenvolvimento precisam reduzir custos de capital e aumentar significativamente o financiamento concessional”, afirma.

Em 12 de novembro, os bancos multilaterais de desenvolvimento (BMDs) emitiram uma declaração conjunta na COP29, em Baku, delineando o apoio financeiro e outras medidas para os países atingirem resultados climáticos ambiciosos. 

Os bancos multilaterais estimam que, até 2030, o financiamento climático coletivo anual para países de baixa e média renda chegará a US$ 120 bilhões, incluindo US$ 42 bilhões para adaptação. Esses bancos pretendem mobilizar US$ 65 bilhões do setor privado.

Ainda que de forma pontual, os líderes do G20 também sinalizaram apoio às resoluções da COP29: “Nós aguardamos com expectativa um resultado positivo sobre o Novo Objetivo Coletivo Quantificado de Financiamento Climático (NCQG) em Baku. Nós damos nosso apoio à Presidência da COP29 e nos comprometemos a negociações bem-sucedidas em Baku”, diz o texto. 

Silverwood-Cope acrescenta que o G20 é um “fórum essencial” para uma ação climática ambiciosa, uma que representa 80% do Produto Interno Bruto (PIB) global, 75% do comércio internacional e aproximadamente 80% das emissões globais de gases de efeito estufa. 

Na avaliação de Ilan Zugman, diretor-geral da América Latina da 350.org, embora a sinalização do G20 possa abrir caminho para desbloquear o acordo financeiro da COP29, a “verdadeira liderança climática” exige mais. 

“Para que o Brasil se torne um verdadeiro líder climático, o presidente Lula deve se comprometer a não realizar mais projetos de petróleo ou gás na Amazônia e garantir que sejam feitos investimentos em iniciativas de energias renováveis lideradas pelas comunidades locais. O seu acordo de importação de gás feito com a Argentina na cúpula do G20 não corresponde à ambição climática que precisamos e esperamos da presidência da COP30”, disse. 

Apesar das críticas, a presidência da COP29 pediu a ajuda do Brasil e do Reino Unido para tentar destravar as negociações na conferência, especialmente sobre o balanço do Acordo de Paris (GST). Há um plano de trabalho dividido em três frentes: atuação política com os ministros; trabalho técnico mais restrito; e consultas contínuas conduzidas pela presidência.

Caminho para a Belém

Passada a presidência do G20, o Brasil agora tem outro desafio pela frente: receber e sediar a Conferência do Clima das ONU em Belém (COP30), em 2025. Muito além dos percalços logísticos que se impõem à realização de uma cúpula na Amazônia, uma das preocupações é com a ambição brasileira e sua capacidade de articulação diplomática para a construção de consensos significativos.

No discurso de encerramento do G20, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sugeriu que os países desenvolvidos antecipem suas metas de ser net zero até 2050, ao afirmar que, sem assumir suas responsabilidades históricas, as nações ricas “não terão credibilidade” para exigir ambição dos demais.

“Nossa bússola continua sendo o princípio das responsabilidades comuns, porém diferenciadas. Esse é um imperativo da justiça climática. Mesmo que não caminhemos na mesma velocidade, todos podemos dar um passo a mais. Aos membros desenvolvidos do G20, proponho que antecipem suas metas de neutralidade climática de 2050 para 2040 ou até 2045”, disse Lula.

O presidente brasileiro também convidou todos a fazerem da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas a “COP da virada”, em suas palavras. “Não podemos adiar para Belém a tarefa de Baku. A COP30 será nossa última chance de evitar uma ruptura irreversível no sistema climático”.

A WWF avalia que o fato do consenso no G20 ter sido alcançado entre representantes dos mais diversos espectros políticos emite um forte sinal para governantes do mundo todo sobre a solidez do multilateralismo e da diplomacia global. “O sucesso da liderança brasileira do G20 também emite uma sinalização favorável a respeito da futura condução das negociações climáticas no próximo ano, quando o Brasil presidirá a Conferência do Clima”, disse a ONG em nota.

Diretora do International Climate Politics Hub, Catherine Abreu, avalia que, ao não tomar assumir uma posição mais radical sobre a eliminação dos combustíveis fósseis, os resultados do G20 do Brasil “tornaram seu trabalho para atingir a Missão 1,5ºC na COP30 no ano que vem mais difícil e mais importante do que nunca”.

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