Elas começam pequenas mas com grande potencial de crescer, rapidamente, em faturamento e importância. Essa trajetória é um dos fatores que definem as startups. Entre os exemplos mais bem sucedidos estão as famosas FAAMG (Facebook – atual Meta, Amazon, Apple, Microsoft e Google). Hoje os faturamentos de cada uma delas superam o Produto Interno Bruto (PIB) de muitos países.
As startups começaram a ganhar destaque a partir dos anos 2000. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) define o negócio como “uma empresa que nasce em torno de uma ideia diferente, escalável e em condições de extrema incerteza”.
De acordo com dados da Associação Brasileira de Startups (Abstartups), no Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups 2023, o Brasil possui cerca de 14 mil empresas do tipo, com concentração no Sudeste (55,8%) e Sul (22,1%). Os principais segmentos são edtech (educação), fintech (finanças), healthtech e life science (saúde e bem-estar), tech (tecnologia) e retailtech (varejo). Ou seja, estão sempre baseadas na tecnologia.
Especialistas avaliam que o modelo de negócio – alicerçado em tecnologia, ágil, e com grande potencial de escalonamento – pode ser um grande aliado para o impulsionamento da indústria verde no Brasil.
Indtechs, as startups que compõe o ecossistema de inovação na indústria
Segundo o professor Gino Terentim Junior, consultor e doutor em administração pela Université de Bordeaux, ao adotar modelos mais ágeis e orientados ao cliente, “as startups têm o potencial de revolucionar a indústria verde no Brasil e no mundo por meio da inovação em modelos de negócio, digitalização e foco em sustentabilidade”.
Ele ressalta a relação das startups com as empresas do setor elétrico, citando um artigo científico, publicado na Industrial Marketing Management, que analisou a transformação da indústria verde. “A incorporação de tecnologias digitais aumenta a eficiência e a transparência na gestão de energia, facilitando a comunicação com os consumidores e promovendo a adoção de práticas sustentáveis. A agilidade e flexibilidade das startups permitem que elas se adaptem rapidamente às mudanças do mercado e regulamentações ambientais, implementando inovações de forma mais eficiente do que as incumbentes”, afirma.
Terentim Junior acredita que, enquanto as empresas incumbentes, ou seja, aquelas que já estão estabelecidas no mercado há um tempo, dispõem de mais recursos financeiros e poder de mercado para atuar diante de problemas mais complexos, as startups compensam em agilidade e inovações disruptivas de novos modelos de negócios.
“Resolução de problemas não atendidos, introdução de modelos de negócio inovadores, utilização de tecnologia de ponta de forma criativa, melhorias na experiência do usuário, acessibilidade aos produtos e serviços, demonstração de agilidade e flexibilidade, e criação de novos mercados”, são algumas das características destacadas pelo pesquisador.
A Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), um serviço autônomo criado pelo governo federal brasileiro para promover a execução de políticas de desenvolvimento industrial, tem destacado o papel das startups no melhoramento da indústria. Com a iniciativa Conecta Startup Brasil, criada em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a agência aproxima empreendedores de startups em fase de ideação com empresas, investidores, mentores e parceiros. De acordo com a instituição, o objetivo é “fortalecer o ecossistema com a formação de startups com foco nas demandas reais do parque industrial e do setor produtivo brasileiro”.
Chamadas também de startups industriais, ou indtechs, essas empresas ajudam a compor o ecossistema de inovação na indústria que busca, entre outras soluções, caminhos mais sustentáveis e eficientes de produção. Segundo dados de um levantamento da Abstartups, a intensidade dos relacionamentos desenvolvidos por indtechs com a indústria aumentou em 85% em comparação ao ano anterior, o que significa um estreitamento de laços da indústria com as startups. A 100 Open Startups, um ranking internacional, registrou 220 startups brasileiras com contratos validados de inovação aberta com corporações em 2022.
Gestão de resíduos e logística reversa
Uma startup com foco sustentável que tem ganhado destaque no mercado é a Trashin. Fundada em 2018 pelo CEO Sérgio Finger, bacharel em administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), ela busca promover a indústria verde no Brasil, oferecendo o serviço de implementação e gestão de resíduos e logística reversa para indústrias e outras instituições.
Com atuação em todos os estados do Brasil, a startup integra diversas partes interessadas, como geradores de resíduos, cooperativas de reciclagem, transportadores autônomos, universidades, startups, aceleradoras, parques tecnológicos e indústria de beneficiamento e transformação.
Como resultado, a startup já conectou mais de 250 cooperativas de reciclagem e parceiros espalhados pelo Brasil com indústrias. “A Trashin já destinou corretamente mais de 25 milhões de quilos de resíduos, já gerou mais de R$ 3 milhões em renda extra para cooperativas de reciclagem e já beneficiou mais de 2500 famílias envolvidas na economia circular”, argumenta Finger.
O modelo de trabalho da startup é focado em conectar indústrias que se beneficiam de resíduos (por exemplo papelão, isopor e eletrônicos) e empresas que geram resíduos. Para essas primeiras, é possível agregar valor ao produto final (com matéria-prima reaproveitada e produção mais limpa), alinhando as expectativas dos grandes investidores e dos consumidores finais sobre as questões ambientais e sociais. “As taxas menores de juros para tomada de crédito por empresas mais sustentáveis ou para execução de práticas ESG nas corporações também têm ajudado a acelerar a transição para uma industrialização verde”, comenta Finger.
“Acreditamos que a industrialização verde passa por um processo de transição entre a competição dos atores e a ‘coopetição’ entre eles, sendo um misto de cooperação e competição, na qual é necessário compartilhar recursos e conhecimentos em áreas que são de interesse comum, ao mesmo tempo em que buscam o seu diferencial competitivo no core de seus negócios”, afirma o CEO.
Quanto aos desafios enfrentados pela startup, Finger lista dois: o primeiro é a fiscalização falha no cumprimento da legislação que promove melhores práticas de gestão de resíduos e logística reversa; o segundo é a prática do greenwashing (“lavagem verde”, em português), que é quando a empresa diz que adota práticas sustentáveis apenas para ter maior aceitação no mercado, “fantasiando-se de verde”. “Não abrimos mão de nos posicionar como um negócio de impacto positivo, que só participa de iniciativas reais e com práticas adequadas no âmbito social, ambiental e de governança. Por isso, as empresas valorizam muito o sistema de rastreabilidade da Trashin, que mensura e apresenta detalhadamente as métricas de impacto socioambiental das suas ações”.
A Trashin teve aportes externos, sendo acelerada pela Ventiur e passando por captações com a Captable (uma plataforma referência em investimento crowdfunding no Brasil). Ainda, teve a Irani Ventures junto a um investidor anjo. Atualmente, conta com recursos próprios obtidos nos projetos e editais de inovação aberta ou fontes de fomento voltadas à inovação.
Como planos para o futuro, a empresa busca expandir seus horizontes para outros países da América Latina. “Estamos atentos às tendências mundiais em tecnologia, como a inteligência artificial (IA), sistemas de recompensa para logística reversa e sistemas de sensoriamento, que tornam os processos mais eficientes”, explica Finger.
Impulsionando as startups
Para Terentim Junior é preciso que vários atores atuem para impulsionar as indtechs. Segundo o especialista, é necessário “potencializar o desenvolvimento de um ecossistema de inovação robusto, que aumenta consideravelmente as chances de sucesso das startups ao conectar recursos acadêmicos com o mercado”
Apesar dos riscos inerentes a esse modelo de negócio, Terentim Junior acredita num futuro promissor, sobretudo com o avanço da inteligência artificial e da automação. “O ecossistema de inovação no Brasil já está bem estabelecido, com hubs importantes em cidades como São Paulo, Belo Horizonte e Florianópolis, e a incorporação dessas tecnologias pode ser um grande diferencial competitivo. A inteligência artificial tem o potencial de ajudar as startups a otimizarem processos, reduzindo custos operacionais e permitindo que os times se concentrem em atividades de maior valor. Além disso, a IA possibilita uma escalabilidade mais rápida, oferecendo soluções personalizadas para os clientes e permitindo a automação de atendimentos e previsões de demanda”, comenta o professor.
Embora o potencial da IA possa fortalecer as startups no mercado interno e também internacionalizar as operações, alguns desafios a serem superados são regulamentação, infraestrutura tecnológica e acesso ao capital. “Mesmo assim, a inteligência artificial e a automação se apresentam como catalisadores para a inovação e o empreendedorismo no Brasil”, finaliza.
Startup brasileira inova na prevenção de incêndios florestais
Uma inovação promovida por uma startup brasileira foi destaque ao oferecer uma solução para o monitoramento de focos de incêndio. A climatech Umgrauemeio, fundada em 2016, é atualmente certificada como B Corporation (uma empresa comprometida com a sustentabilidade). Utilizando a IA desde sua fundação, a Umgrauemeio desenvolve tecnologias para prevenção, detecção e combate de incêndios em matas nativas e áreas de agropecuária, monitorando mais de 17,5 milhões de hectares. Em alguns dos projetos que adotaram a tecnologia conseguiu-se uma redução de até 90% na ocorrência de incêndios, e há ainda exemplos de lugares monitorados que não sofreram mais nenhum incêndio depois da instalação do sistema.
“Desenvolvemos soluções para mitigar incêndios florestais e minimizar o seu impacto ambiental. Diante do atual cenário das drásticas mudanças climáticas, a detecção precoce dos incêndios é uma das atividades mais importantes para a preservação do meio ambiente e de áreas produtivas utilizadas pela agropecuária”, destacam as lideranças da Umgrauemeio em nota enviada à Clima Tracker, assinada por Rogerio Cavalcante (CEO, fundador e presidente do conselho), Antonio Leblanc (CTO e cofundador) e Eimi Arikawa (CRO e cofundadora).
“O nosso software Pantera foi desenvolvido para que se possa obter respostas rápidas e ações imediatas de contenção. Somos pioneiros nesse mercado. Conseguimos detectar os primeiros sinais de fumaça de um incêndio em menos de 3 segundos. A rapidez dessa detecção possibilita o processo de combate e contenção dos incêndios com poucas pessoas. Resultado, as brigadas de combate aos incêndios, que trabalham integradas ao Pantera, conseguem atuar de forma mais breve e eficaz e em muito menor volume”, explicam os fundadores.
O software funciona integrado a câmeras de alta resolução instaladas em torres de comunicação. Toda a operação envolve IA para detecção do surgimento de focos de calor e fumaça em tempo recorde. Para se ter uma comparação, com o uso de satélites, geralmente a detecção dos focos demora pelo menos algumas horas.
A Umgrauemeio atua junto à iniciativa privada, institutos ambientais e órgãos públicos, como a “Sala de Situação Indígena, em Roraima, uma iniciativa liderada pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR) e apoiada pelo Instituto Terra Brasilis”, na qual, conseguem monitorar 10,3 milhões de hectares, oferecendo respostas rápidas para evitar incêndios. Também há parceria com a Brigada de Alter do Chão, no Pará, “uma organização da sociedade civil, sem fins lucrativos, que atua contra os incêndios na região”, destacam.
Toda essa evolução nas ações foi possível em função da disponibilidade de recursos financeiros. “Além de caminharmos com recursos próprios durante 7 anos iniciais, ultrapassando a fase de investimento anjo, neste ano tivemos grandes êxitos em nossa primeira captação, no valor de R$ 18,7 milhões junto ao seleto grupo de investidores, selecionados a dedo, como Baraúna Investimentos, Indicator Capital, The Yield Lab e Rural Ventures”, pontua.
Quanto aos próximos passos, esperam continuar expandindo ao mesmo tempo que aprimoram a tecnologia. “Por meio do Pantera já operamos em 20 Estados brasileiros. Estamos presentes em cinco biomas, produzindo mais de 15 mil relatórios de detecção de incêndios, evitando, com isso, milhões de reais em prejuízos decorrentes da propagação do fogo descontrolado, além de acreditarmos ter evitado emissão de mais de 20 milhões de toneladas de CO₂”.