Em meio a questionamentos jurídicos, instalação de termoelétrica avança em São Paulo

Instalação da termelétrica na cidade de Caçapava está envolta em polêmicas que envolvem documentações vencidas e imbróglios jurídicos. Projeto vai contra esforços para transição energética no Brasil

Em Caçapava, cidade a cerca de 115 km de São Paulo, o Ministério Público Federal (MPF), especialistas e a sociedade civil encampam uma verdadeira jornada judicial contra a instalação da Usina Termelétrica São Paulo (UTE SP). O empreendimento está projetado para gerar 1.744 GW de energia, o que a qualifica como a maior termoelétrica da América Latina, mas também a coloca numa posição contrária aos esforços nacionais – e globais – para a necessária transilção energética.

A poluição anual prevista pelo empreendimento é quase igual à emitida por 640 mil veículos em termos de emissão de monóxido de carbono (CO). Sozinho, esse projeto tem potencial de aumentar em 13,8% as emissões de dióxido de carbono (CO2) do setor elétrico brasileiro.

“Usinas movidas a gás natural, que usam água de resfriamento, além da emissão importante de gases de efeito estufa, também demandam um uso de água muito grande, que não volta em sua integridade à bacia afetada”, pontua Felipe Barcellos, pesquisador do Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA).

Projeção feita pela Natural Energia sobre projeto da UTE São Paulo. Imagem: Divulgação

Polêmicas jurídicas e licenciamento apressado

O empreendimento em Caçapava faz parte das movimentações para implantação de novas Usinas Termoelétricas no Brasil, possibilitadas por mudanças feitas na Lei 14.182/2021, que deveria tratar apenas da desastatização da empresa do setor elétrico Eletrobrás, mas que ganhou trechos alheios ao conteudo central da proposta e possibilitou a expansão desse tipo de geração elétrica no país.

O UTE São Paulo, uma usina reserva capitaneada pela Natural Energia que tem como objetivo fornecer energia quando houver desequilibrio entre a geração e a demanda no país, tem recebido crescentes críticas. Os questionamentos envolvem ambientalistas, sindicatos e o Ministério Público Federal (MPF), que chegou a obter uma liminar suspendendo uma audiência pública prevista para janeiro deste ano. Até mesmo a Igreja Católica, por meio da Diocese de São José dos Campos, divulgou carta aberta contra o projeto da usina.

De acordo com Vicente Cioffi, engenheiro ambiental e integrante da Frente Ambientalista do Vale do Paraíba (FAMVAP), região onde a usina está prevista para ser instalada, houve pressa na condução dos estudos de análise ambiental do megaempreendimento, além da recorrência de pendências na correção e atualização das correções documentais solicitadas pelo próprio MPF. 

Segundo a Frente Ambientalista, não foram apresentadas as certidões de uso e ocupação do solo com validade regular. O último documento, segundo o coletivo, datava de 2022 e já expirou há um ano. Essa certidão, que deve ser emitida pelo município de Caçapava, é imprescindível para a continuidade do licenciamento, segundo a Resolução nº 237/1999 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama).

Sociedade Civil tem se articulado em ações contrárias ao empreendimento. Foto: Divulgação FAMVAP

Além dos impactos na emissão de gases de efeito estufa, a operação da usina também aponta para um uso expressivo dos recursos hídricos locais. O consumo apontado pelo empreendimento gira em torno de 1,56 milhões de litros de água por dia, sobrecarregando ainda mais a demanda hídrica de uma região com bacias já saturadas. Pequenos produtores rurais relatam enfrentar falta de água. 

A Natural Energia, em nota a esta reportagem, argumentou que a UTE usará tecnologia de resfriamento a ar, que garante, segundo a empresa, baixo consumo de água. A disponibilidade hídrica da região, ainda de acordo com a companhia, foi avaliada junto ao Departamento de Águas e Energia Elétrica de São Paulo (DAEE), sendo emitida uma Declaração de Viabilidade de Implantação. 

“Ela [a Usina] não está nem entre os 10 maiores consumidores de água na região”, afirma a nota da empresa.

Outras incongruências

Apesar das defesas da Natural Energia, a Frente Ambientalista do Vale, que inclui pesquisadores do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), identificou várias incongruências no projeto da usina. 

Dentre elas, o Estudo de Impacto Ambiental (EIA), que aponta três fontes principais de poluentes atmosféricos: monóxido de carbono (CO), com emissão de 3.303 toneladas por ano; óxidos de nitrogênio (NOx), com 2.541 toneladas anuais; e hidrocarbonetos totais (HC), com 579 toneladas/ano. A empresa também teria omitido os relatórios de impacto desses poluentes sobre os municípios do entorno de Caçapava, segundo a Frente.

A Natural Energia, por outro lado, argumenta que a UTE São Paulo seria utilizada não só para a produção de gás natural – combustível fóssil – mas também para a produção de biogás – originado por matéria orgânica. 

Manifestações aconteceram também durante audiência pública realizada para debater licenciamento da obra. Foto: Divulgação FAMVAP

O plano, segundo a empresa, é que, no futuro, 100% da planta seja utilizada para a produção deste último. “Essa prática reduziria a praticamente zero as emissões durante a operação da usina”, diz a empresa, em nota. Não está claro, no entanto, quanto tempo a UTE funcionará para produção de gás natural até que a transição para o biogás seja feita.

Apesar do posicionamento da empresa, o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), desenvolvido pela própria Natural Energia, apresenta a usina como geradora de “energia elétrica confiável a partir do aproveitamento energético do gás natural”.  Apesar de afirmar que o estado de São Paulo pode produzir até 36 milhões de metros cúbicos de biogás por dia, a própria empresa afirma que é preciso desenvolver a infraestrutura para produção e distribuição desse insumo. 

“A implantação desse tipo de empreendimento impacta na regressão energética do país. O aumento da participação do gás natural no Brasil, como a usina de Caçapava, preocupa tanto pela questão das emissões, tanto por conta do preço, já que é uma energia bastante cara”, diz Barcellos, do IEMA. 

Segundo dados do 3° Inventário de Emissões em Termelétricas, publicado pelo IEMA, 72 empreendimentos inventariados no Brasil emitiram 19,5 milhões de toneladas de dióxido de carbono equivalente (CO2e) em 2022. Apenas dez usinas emitiram 63% dos gases de efeito estufa (GEE).

Em junho deste ano, a Coalizão Energia Limpa lançou o relatório “Regressão Energética: como a expansão do gás fóssil atrapalha a transição elétrica brasileira rumo à justiça climática“, que aponta que as mudanças feitas na Lei 14.182/2021, anteriormente citada, resultarão na emissão de mais de 300 milhões de toneladas de gás carbônico equivalente (300 Mt CO2), ou 20 Mt CO2 por ano. 

Usina Termoelétrica movida a gás natural, também conhecido como gás fóssil, por ser originado de fontes não renováveis. Foto: Torsten Kellermann/Unsplash

Entre protestos, embargos e licenciamentos

Apesar dos diferentes movimentos contrários, o projeto de termoelétrica segue em frente. Atualmente, a UTE São Paulo está em fase de licenciamento ambiental por parte do Instituto Brasileiro de Recursos Renováveis (Ibama). 

Com a licença, a Natural Energia diz que participará do Leilão de Reserva de Capacidade para contratação de geração de energia de termelétricas. “É neste contexto que a UTE São Paulo está sendo desenvolvida, para ser um candidato super competitivo, com um projeto de baixíssimo impacto, com energia flexível, confiável e segura. A entrada em operação do projeto irá depender das regras do leilão que ela ganhar”.

Do outro lado da disputa, a Frente Ambientalista tenta frear a implementação do projeto e conscientizar as pessoas sobre seus impactos. Para isso, a organização produziu uma cartilha explicativa sobre os impactos da implantação do projeto e as problemáticas envolvidas para toda a região onde ela será instalada.

“Vivemos os resultados negativos das alterações climáticas, que são potencializadas pela ação humana. A termelétrica só vai contribuir para a geração de gases que causam o aquecimento global, além de impactar o uso da água disponível no Vale”, diz trecho da cartilha.

Saiba mais

Para acompanhar o EIA-RIMA da UTE São Paulo acesse aqui.

Sobre as etapas do licenciamento ambiental federal acesse aqui.

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