O Brasil avança na discussão do mercado de carbono. O Projeto de Lei (PL 2.148/2015) que pretende regular o tema foi aprovado na Câmara dos Deputados, em dezembro de 2023, e aguarda votação do Senado. A proposta é estabelecer diretrizes para empreendimentos que emitam mais de 10 mil toneladas de Gases de Efeito Estufa (GEE), e criar o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).
De acordo com o texto, a regulamentação tem como objetivo cumprir a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) estabelecida pelo governo federal em 2009. Por isso, a pauta, em análise no Senado, determina uma compensação obrigatória para quem ultrapassar 25 mil toneladas de emissão GEE no ano.
O SBCE funcionaria prevendo cotas de emissão anual de gases de efeito estufa. De acordo com a proposta, quem reduzir as próprias emissões pode adquirir créditos e vendê-los a quem emitir para além de suas cotas.
As empresas que fizerem parte do mercado regulado deverão elaborar um plano de monitoramento das emissões, além de reportar para os órgãos reguladores o balanço das emissões, e participar do ambiente regulado. O PL estabelece que empresas que emitirem além do limite (25.000 tCO2), poderão comprar cotas de organizações que não ultrapassarem o teto.
Mas, afinal, a criação de um mercado de carbono ajuda o Brasil em sua meta de redução das emissões de gases do efeito estufa?
Para Caroline Prolo, advogada especializada em direito do clima e head de clima no grupo Fama Capital, o mercado regulado pode trazer benefícios para o Brasil, porque, pela proposta “o governo vai gradualmente reduzindo a quantidade de permissões [de emissões de carbono], e com isso vai cortando as emissões de GEE”, aponta.
Isso “afeta a precificação desses ativos, o que por sua vez leva os agentes regulados a buscarem soluções menos custosas para reduzir suas emissões. Ou seja, o mercado de carbono regulado pode ajudar o Brasil a cumprir suas metas, além de colocar um preço no carbono, fazendo com que o setor privado passe a incorporar esse custo e assim tenha incentivos para promover a descarbonização” ressalta Prolo.
A advogada ressalta, porém, que o texto traz pontos de preocupação. “O PL tem pontos negativos; como a diminuição do texto das multas e a alteração para permissão de projetos de carbono em espaços ambientais protegidos por lei, como áreas de reserva legal e de preservação”, ressalta.
Atualmente o Brasil possui um mercado voluntário para transações de crédito de carbono. Os créditos são comercializados por empresas que têm metas corporativas de redução voluntária de emissões. As metas de redução atendem a padrões estabelecidos, em sua maioria, por OSCIPs (Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público).
Em 2022, dado mais recente disponível, o mercado internacional voluntário de carbono movimentou US$ 1,9 bilhões, totalizando 254 milhões de toneladas de GEE, de acordo com levantamento da Ecosystem Marketplace Report 2023. Uma estimativa da consultoria McKinsey & Company aponta que o Brasil compensa menos de 1% da capacidade potencial anual do país.
O relator do PL, deputado Aliel Machado (Partido Verde-Paraná), defende a necessidade de regulação do mercado. “Se hoje o mercado de carbono é tão importante, isso acontece porque os governos mundiais falharam, ao longo das últimas décadas, em encontrar medidas que reduzissem a emissão na atmosfera e na manutenção das florestas. Há consenso científico que se o desmatamento não fosse tão grande, talvez a situação climática do planeta não fosse tão alarmante”.
O parlamentar defende ainda que a comercialização irá movimentar a economia nacional. “Com o mercado de carbono, recuperar florestas ou mantê-las de pé, passará a valer dinheiro. É um estímulo econômico importante para fazer frente ao desmatamento e outros usos de nossas riquezas naturais ”, finaliza o deputado.
Levantamento da Câmara de Comércio Internacional (ICC-Brasil) afirma que o Brasil poderá arrecadar em receitas até 120 bilhões de dólares, se considerado um cenário otimista em que o valor por tonelada de gás carbônico seja 100 dólares.
Agronegócio fora da regulação
Mas o setor que mais impacta nas emissões de GEE no Brasil foi deixado de fora do projeto de lei. No país, a agropecuária é a segunda maior fonte emissora, de acordo com dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa. A primeira é a Mudança do Uso da Terra – sendo que a Agropecuária é o setor que mais desmata, responsável por 95,7% da derrubada de mata, de acordo com Relatório Anual do Desmatamento no Brasil.
A medida, justificada por congressistas, foi tomada para que possam surgir mais estudos que auxiliem na delimitação de um teto de emissão para o agronegócio. Mas, nos bastidores, o que houve foi uma intensa movimentação política da chamada “bancada ruralista”, que são os parlamentares ligados diretamente ao agronegócio – são mais de 300 só na Câmara dos Deputados.
“O fato de ter deixado o agronegócio de fora é um problema muito sério, um setor que representa mais de 70% das emissões”, diz Luciane Moessa, diretora-executiva da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis, entidade especializada em finanças e desenvolvimento sustentável.
Para além do agronegócio ter sido isentado da obrigatoriedade de regular suas emissões, o texto abre brecha para que ruralistas se beneficiem da geração e venda de créditos. Isso porque, pelo Código Florestal, proprietários de grandes áreas de terra são obrigados a manter áreas de proteção permanente em suas propriedades. Caso o PL seja aprovado como lei, os proprietários destas áreas poderão gerar créditos para o mercado – o que leva a um cenário no qual esses grandes emissores não terão que reduzir suas emissões, nem pagar por elas, e ainda poderão receber.
Em nota, o Ministério do Meio Ambiente e Mudanças do Clima, chefiado por Marina Silva, admitiu que será necessário “lapidar novos pontos para uma regulação justa e eficaz” para o combate das mudanças climáticas. “O Projeto de Lei aprovado em dezembro trouxe elementos que não estavam no texto original discutido pelo governo federal. O ministério trabalha para aprimorar e esclarecer pontos da proposta, em busca de uma legislação mais clara, concisa e objetiva, além de processo de regulamentação mais veloz”.
O ministério acrescenta que há um Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima, coordenado pela Casa Civil com a participação de 18 ministérios, que já designou um grupo para tratar do tema e avaliar quais itens e conteúdos serão necessários para regulamentação da legislação.
Pontos de dúvidas para investidores
O prazo de implementação da regulação também é um ponto em discussão. Na análise de Munir Soares, CEO da Systemica, empresa com mais de 15 anos de atividade no mercado de carbono, a proposta não esclarece algumas dúvidas. “O texto traz incertezas em relação a potenciais investimentos da área de reflorestamento, não é claro para o investidor se ao reflorestar sua área ele vai poder exportar seus créditos de carbono nos mercados internacionais”.
Munir também discorda do prazo previsto para implementação. “O primeiro plano de redução está previsto para 5 anos, eu entendo que esse prazo poderia ser reduzido para até 2 anos, já que temos uma maturidade do empresariado brasileiro em fazer relato de emissões”, afirma.
Neutralidade climática em 2050
Em 2023 o Brasil atualizou sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, na sigla em inglês), se comprometendo a reduzir suas emissões em 48% até 2025 e 53% até 2030, em relação às emissões de 2005. O país manteve a promessa feita no Acordo de Paris de até 2050 ter neutralidade em emissões.
“O mercado de carbono é uma ferramenta de política ambiental que define uma trajetória de redução de emissão. O governo coloca uma meta e os setores que são contingenciados vão traçar estratégias para atingir o objetivo. Com a trajetória da redução, as partes que participam do mercado, encontram tecnologias e soluções”, opina Soares.
Moessa observa que há necessidade de fiscalização, para que a nova legislação não seja um incentivo para que empresas não avancem na mitigação dos impactos climáticos e estabeleçam um círculo vicioso, apenas comprando novos títulos de compensação, “Na verdade, o preço do crédito de carbono é barato porque ele não considera no custo e impactos gerados por desastres ambientais relacionados às mudanças climáticas”, lembra.
Depois de passar pelo Senado, o texto do PL, que tramita em regime de urgência, ainda volta para apreciação na Câmara dos Deputados.