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Petróleo na Amazônia: Petrobrás insiste em explorar foz do Amazonas; disputa ambiental expõe controvérsias da transição no Brasil

Petrolífera brasileira teve pedido de prospecção na área negado, em função dos riscos ambientais, mas no campo político membros do governo e do Congresso se movimentam para conseguir liberar a licença para o que seria o primeiro passo na exploração de petróleo na foz do rio Amazonas.

No coração da Amazônia, o interesse de exploração petrolífera do bloco FZA-M-59, na Margem Equatorial, na bacia da foz do rio Amazonas, evidencia controvérsias do compromisso brasileiro com a transição energética.  

A ambição da Petrobras, principal empresa petrolífera do Brasil, é explorar petróleo em uma área estratégica de conservação, na Amazônia.  O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), órgão responsável pelo licenciamento ambiental, indeferiu o pedido da petroleira para fazer perfurações na área.  Porém a negativa não foi encarada como algo definitivo nem pela empresa nem por atores do governo federal, especialmente do Ministério de Minas e Energia.

No final de maio de 2023, a Petrobrás protocolou no Ibama um pedido de reanálise da licença ambiental para prospecção. A expectativa é que o Ibama se manifeste sobre o assunto no início de 2024. 

Presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates, durante sessão solene para comemorar os 70 anos de criação da Petrobras. Foto Lula Marques Agência Brasil
Presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates, durante sessão solene para comemorar os 70 anos de criação da Petrobras. Foto Lula Marques - Agência Brasil

Meses após a negativa, a Advocacia-Geral da União (AGU) elaborou, a pedido do Ministério de Minas e Energia, um parecer jurídico, e o órgão considerou dispensável um dos estudos pedidos pelo Ibama – o que em tese derruba um dos argumentos usados para indeferir o pedido. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, deu declarações sobre esperar que o Ibama dê “celeridade” ao processo de licenciamento. 

A Petrobras tem planos de expandir sua produção, sob o discurso de que o mundo ainda precisará de combustíveis fósseis durante a transição. Em entrevista para a Agência Pública durante a COP28, o presidente da empresa, Jean Paul Prates, reafirmou o que já tinha dito antes, de que a expectativa é que a Petrobrás seja a última a parar de explorar petróleo no mundo. 

A margem equatorial e a foz do Amazonas

A bacia da foz do Amazonas conta com uma área de 350 mil km2 e se estende entre a baía de Marajó, no estado do Pará, e a fronteira com a Guiana Francesa.

A bacia já foi alvo de interesse petroleiro, anos atrás. Um primeiro poço foi perfurado na região em 1970, sem descoberta de petróleo. Nos anos seguintes foram feitas outras perfurações e uma descoberta, mas por dificuldades logísticas a bacia foi deixada de lado, até porque a Petrobrás se dedicava, naquele momento, a outros pontos de exploração. 

O interesse pelo bloco 59 teve início em abril de 2014, com um pedido feito pela BP Energy do Brasil, empresa originalmente responsável pelo projeto. Em dezembro de 2020, os direitos de exploração de petróleo no bloco foram transferidos para a Petrobras.

O que reativou o interesse da Petrobrás pela região foi a descoberta de petróleo na Margem Equatorial da Guiana. Novas reservas vêm sendo descobertas na área naquele país, com uma estimativa de 11 bilhões de barris. 

Por enquanto, o que a Petrobrás busca é o licenciamento para verificação, no bloco FZA-M-59, de presença de petróleo em alto mar, “mediante realização de perfuração de um único poço, durante apenas cinco meses”. Ainda segundo a empresa de petróleo, “se confirmada a viabilidade comercial do petróleo eventualmente existente no bloco exploratório, será necessária a obtenção de um novo processo de licenciamento ambiental junto ao Ibama para permitir que o Bloco FZA-M-59 se torne um campo produtor.”

Petrobras busca “nova fronteira” de produção de petróleo

Porque investir na exploração de petróleo em um contexto de transição energética, no qual deve haver um esforço global para diminuir a emissão de CO2 e, portanto, frear o uso de combustíveis fósseis? 

O argumento que tem sido sustentado pela Petrobras e por membros do governo federal é de que o país deve continuar produzindo, porque a demanda vai continuar existindo  até que a transição aconteça. 

A petrolífera brasileira tem sustentado que “novas fronteiras energéticas”, a exemplo da Margem Equatorial, “são essenciais para a garantia da segurança e soberania energética nacional, visto que, apesar de decrescente, a demanda global de petróleo se mantém essencial”. 

Na análise do  doutor em Ecologia Lucas Ferrante, pesquisador da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), fazer a transição energética perpassa, necessariamente, por diminuir a exploração petrolífera. Um estudo coordenado pelo professor em 2023 e publicado na Conservation Biology, demonstrou que as mudanças climáticas no Brasil estão mais aceleradas do que o tempo necessário para que as espécies se adaptem. “Para mitigarmos este impacto, é fundamental contermos a crise climática, o que perpassa pela diminuição da exploração de Petróleo, ou perderemos muitas espécies”, alerta. ”Precisamos diminuir as emissões globais e diminuir o consumo de petróleo […]. Estamos perdendo espécies, estamos alterando o planeta e isso está sendo causado apenas pelo consumo de petróleo.”, complementa.

Foz do Rio Amazonas no Atlântico - Coordenação Geral de Observação da Terra - INPE
Foz do Rio Amazonas no Atlântico - Coordenação Geral de Observação da Terra - INPE

Para Suely Araújo, especialista sênior em políticas públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama (2016-2018), para além da discussão do risco ambiental da exploração na Foz do Amazonas, é importante discutir a questão do ponto de vista da decisão, se o país quer ou não explorar petróleo em novas áreas, principalmente em áreas ambientalmente sensíveis. 

“Essa decisão é mais ampla. É uma decisão política mesmo, que cabe ao governo inteiro, na verdade. Em plena crise climática, o Brasil quer ampliar a exploração de petróleo? O Brasil quer virar um país petroleiro de verdade? O Brasil já exporta petróleo. Ele já está colocado entre os dez maiores exportadores. Em plena crise climática, você vai querer um bloco perfurado hoje, se achar petróleo?”, questiona.  

A pesquisadora lembra que 2023 foi o ano mais quente da história, com eventos extremos inclusive na Amazônia. “Os brasileiros têm que saber das vantagens e desvantagens de uma opção dessa. O Brasil não precisa de petróleo para a demanda interna. Ele tem o suficiente. Esse petróleo na margem será para a exportação. Nós queremos ser um grande produtor de petróleo a essa altura do campeonato?”, pontua. 

José Valverde Machado Filho, professor e mestre em direito ambiental internacional, faz uma análise semelhante. “Qualquer que seja, independente do sítio, a busca por se expandir a exploração de petróleo, ela já se coloca em contraponto ao que o mundo tem buscado. Um país que é enxergado como esse grande potencial de energia limpa e renovável, coloca em contradição aquilo que tem propagado, ao buscar também colocar na sua pauta a exploração de petróleo”, afirma.

Risco para a biodiversidade

O veto do Ibama para a perfuração é justificado com base nos desafios logísticos e preocupações ambientais. Em um despacho do presidente Rodrigo Agostinho, acompanhando o parecer técnico com a decisão pelo indeferimento, são destacados os desafios em hipóteses de vazamento de óleo e as lacunas de conhecimento sobre o ambiente da região. O órgão fiscalizador destaca ainda que as distâncias demandam um alto fluxo de embarcações e aeronaves.

Áreas de conservação, terras indígenas e corais recém-descobertos estão no centro das preocupações. 

Rosângela Braz, doutora em Ecologia Aplicada e professora do Centro Universitário Adventista de São Paulo – UNASP, explica que exploração de petróleo na região pode afetar esses ecossistemas de várias formas, “a redução da luminosidade e da qualidade da água podem prejudicar o crescimento e a sobrevivência dos corais e das algas; o aumento da temperatura e da acidez da água podem causar o branqueamento e a morte dos corais; pode ocorrer a destruição física dos recifes; perda de biodiversidade; e a alteração das interações ecológicas, que podem afetar o equilíbrio e a estabilidade dos recifes”, elenca.

A pesquisadora destaca o risco para espécies, como o camarão rosa, o pito, a lagosta vermelha, dentre outras, que têm um alto valor econômico e social, pois são fontes de alimento e renda para as comunidades pesqueiras locais.

“A exploração de petróleo na região pode afetar essas espécies de diversas formas, como: a redução ou a perda dos seus habitats, que podem ser degradados ou destruídos pela poluição, pelo assoreamento ou pelos vazamentos de óleo; a diminuição ou a extinção das suas populações, redução da reprodução, pela alteração do comportamento ou pela perda da diversidade genética; a contaminação ou a redução dos seus recursos alimentares, dentre outras”.

No despacho, o Ibama ressalta que se trata de um licenciamento ambiental com muitas especificidades. O texto diz que “esses desafios são derivados do fato de a região ser de acesso bastante remoto, tanto no mar quanto em terra, com grandes lacunas de conhecimento sobre a bioecologia das comunidades marinhas e situada próxima à fronteira com a Guiana Francesa. Para suprir as significativas lacunas de conhecimento sobre o ambiente da região poderá ser necessário exigir levantamentos de dados primários no licenciamento ambiental, tanto biológicos quanto oceanográficos e socioeconômicos. Esse levantamento de dados primários em região tão remota tende a envolver uma logística bastante difícil e altos custos. As hipóteses acidentais envolvendo vazamento de óleo no mar implicam em dois desafios distintos, os quais devem ser explorados em detalhe no licenciamento ambiental através de modelagens robustas de dispersão de óleo”.

Apresentação do Projeto Amapá Água Profundas, foz do Rio Amazonas. Foto Lula Marques Agência Brasil
Apresentação do Projeto Amapá Água Profundas, foz do Rio Amazonas. Foto Lula Marques Agência Brasil

A decisão pondera ainda que “há preocupações relativas à intensa hidrodinâmica da região, que envolve correntes muito fortes e movimentos de marés extremamente amplos. Além de ser necessário investir na compreensão dessa dinâmica, essas condições oceanográficas podem limitar ou mesmo impedir a viabilidade de estratégias de combate a derramamentos de óleo, como a utilização de barreiras flutuantes para contenção e recolhimento dos hidrocarbonetos”. 

Embora simulações indiquem que um vazamento não atingiria a costa brasileira, estudos apontam possíveis danos a países vizinhos e ilhas do Caribe.

Braz enfatiza que aquela região está próxima do chamado Grande Sistema Recifal Amazônico. “É uma área de alta biodiversidade, pouquíssimo estudada pelo Brasil, e que começa próximo ao bloco 59. Então é uma área com alta sensibilidade biológica e que não foi estudada ainda.” O recife na foz do Amazonas é composto por algas calcárias e recoberto por esponjas e corais. A formação tem 56 mil km².

Embora a decisão do Ibama seja técnica, com base nos parâmetros de risco ambiental estabelecidos, a pressão de uma ala do governo federal pela aprovação é grande. No Senado Federal, o ministro de Minas e Energia, Alexandre da Silveira, disse que tomou “a liberdade de ligar para o presidente do Ibama e dizer da importância de ele ‘sinergizar’ a decisão final”. 

Neste sentido, a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, declarou que “uma decisão técnica, em um governo republicano, é cumprida”. A ministra foi ouvida no final de agosto em audiência pública da Comissão de Minas e Energia, a pedido de diversos deputados, e na ocasião pontuou que “o Ibama não facilita nem dificulta, e o Ministério do Meio Ambiente respeita aquilo que são os procedimentos devidamente instruídos com base na boa gestão pública”.

Já o presidente Lula defende que o Ibama apontou falhas técnicas que “a Petrobrás tem o direito de corrigir”. 

O governador do Estado do Amapá, Clécio Luís, defendeu os estudos sobre o petróleo na foz do Rio Amazonas no evento “Caminhos para Transição Energética Justa no Brasil”, realizado em outubro de 2023, no Rio de Janeiro.

Em outubro de 2023, 217 deputados e senadores lançaram a Frente Parlamentar em Apoio ao Petróleo, Gás e Energia com o propósito de representar o setor no Congresso Nacional. A iniciativa pretende respaldar os planos da Petrobras de explorar petróleo em águas ultraprofundas do Amapá.

A frente busca apoio político para influenciar o governo a avançar com a exploração na área e promover legislação para expandir a infraestrutura energética do país. O foco, segundo o líder da frente, o general da reserva e ex-ministro da Saúde do governo Jair Bolsonaro, Eduardo Pazuello (PL-RJ), em entrevista à Reuters, será representar os interesses do setor de energia, produtores, distribuidores e fornecedores.

Araújo contesta o argumento que tem se fortalecido nos bastidores do Congresso de que o Ibama “dificulta” o processo. Ela relembra que, entre 2007 e 2021, o Ibama aprovou mais de 2 mil licenças de perfuração no offshore semelhantes a essa. A especialista diz que , no caso da exploração da Foz do Amazonas, a questão é puramente técnica. “Tem um plano de emergência que se chama plano de emergência individual, o PEI, que todo empreendimento de petróleo tem. A questão é que se houver vazamento na perfuração, é muito complicado você fazer o atendimento da emergência. Está em uma parte longe da costa, com correntes fortíssimas que levam o óleo que eventualmente vazar, em menos de 10 horas para as águas da Guiana Francesa”.

Financiamento para transição energética

Rio Amazonas - Foto GabiFMesquita (CC BY-SA 3.0 DEED)
Rio Amazonas - Foto GabiFMesquita (CC BY-SA 3.0 DEED)

Araújo também pontua que é preciso ver de maneira crítica o argumento de uma necessidade econômica da exploração. “Um bloco perfurado hoje, ele só vai produzir depois de 2030, e os royalties de produção só vêm depois”, pontua.  

Na avaliação dela, o país não pode esperar 10 anos para vir dinheiro da exploração para financiar a transição energética. “Nós temos que financiar a transição energética agora, na crise que nós já passamos. Teríamos que estar em uma transição energética há muito tempo.”

A Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio) aponta as vantagens econômicas do biocombustível neste sentido. “É uma oportunidade de mercado com elevada maturidade técnica e pronto para ser ampliado com baixo custo de transição, sem demandar a antecipação de investimentos”, comenta. A associação observa que “além de contar com uma capacidade já instalada de produção, o biodiesel usa as mesmas infraestruturas de distribuição, de logísticas e de tancagem que movimentam os combustíveis fósseis”.

Nesse cenário de debates e incertezas, a bacia da foz do Amazonas permanece no centro de uma discussão crucial sobre os limites entre o avanço econômico, a proteção ambiental e a transição energética. 

Ferraz alerta que é preciso rever a exploração de petróleo para mitigar as mudanças climáticas. As consequências climáticas já estão na nossa porta, e foram intensificadas neste ano de El Niño para todo o Brasil sentir. “Estamos falando de ondas de calor com recordes de temperatura no Brasil: a média global registrou um aumento de 2 graus, Amazônia com seca extrema, o que potencializa os incêndios florestais, e o Brasil quer explorar mais petróleo? Isso é contraditório e ignora a crise que está em nossa porta”. 

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