O Brasil é visto como uma das maiores potências no quesito energia renovável e transição energética, mas, no coração da região norte, o estado de Roraima segue isolado do Sistema Interligado Nacional (SIN). Isso significa que as linhas de transmissão que ligam todos os outros estados brasileiros ainda não passam por lá, fazendo com que Boa Vista seja a única capital que precisa de energia do chamado Sistema Isolado, necessitando de termelétricas movidas à energias fósseis.
A matriz elétrica do Brasil, que tem como base principal hidrelétricas, é uma das mais limpas do mundo. As fontes renováveis representam 88% da oferta interna de eletricidade no Brasil, de acordo com o último relatório da EPE – Empresa de Energia Elétrica, do Ministério de Minas e Energia.
Mas, em Roraima, é diferente. Dados da distribuidora de energia elétrica Roraima Energia apontam que em 2022 houve um crescimento de 7,26% na demanda do estado, e o custo de geração foi de 2 bilhões e noventa milhões de reais brasileiros, com 1 bilhão e 26 milhões gastos em combustível para termelétricas e 2 milhões e 500 mil reais no frete de galões. Ao todo são 15 municípios no estado, quase 200 mil unidades consumidoras.
De acordo com os últimos dados do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG), iniciativa do Observatório do Clima, Roraima lidera o ranking emissões brutas per capita nos estados, com 94 toneladas de CO2e emitidas por habitante em 2021 – mais de 15 vezes a média mundial. O uso do diesel é um dos motivos para a taxa de emissão elevada, que também é causada pelo desmatamento e pela agropecuária na região.
Atraso custa caro
O CCC (Conta de Consumo de Combustível), que é o custo rateado entre todos os brasileiros para subsidiar a produção de energia em sistemas isolados (como o de Roraima) que necessitam de combustíveis para alimentar as termelétricas, é o segundo encargo mais caro da conta de luz. “Falando economicamente, não só da população de Roraima, mas do Brasil, subsidiar esses combustíveis fósseis para o sistemas isolados é uma conta altíssima para todos os brasileiros. Provavelmente ao longo do tempo, ela é bem mais alta do que interligar o sistema, até porque a demanda em Roraima também subiu”, diz Rosana Santos, diretora-executiva do Instituto E + Transição Energética.
Em 2001 o Brasil começou a importar energia da Venezuela, em uma parceria energética entre os países que permitia o abastecimento de parte do estado de Roraima. O fornecimento durou até março de 2019, quando o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro rompeu a parceria. A partir de então, sem a energia do país vizinho, segundo o Governo de Roraima, houve um consumo diário variável entre 700 a 1.100 mil litros de combustível apenas de termelétricas para suprir as demandas do estado.
No fim de 2023 o presidente Lula retomou a parceria com a Venezuela. Com isso, a transmissão está em fase de testes e deve ser iniciada em breve, segundo o CMSE (Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico). A energia virá pela hidrelétrica de Guri, e não irá abastecer todo o estado, servindo como uma fonte complementar na matriz.
Medo de apagão e barreiras no desenvolvimento do Estado
A população local tem consciência dos problemas causados pelo diesel, e o medo de um apagão é ainda mais forte. “Essa preocupação com o diesel [da poluição causada], aparece de forma menor no discurso da população, do que o medo de ficar sem energia, que é o cenário que a gente sempre quis evitar”, diz Ciro Campos, membro da coordenação do Fórum de Energias Renováveis de Roraima.
Campos afirma que a queda de energia é constante, e que a insegurança do acesso à eletricidade atinge todos os cidadãos do Estado. “[Temos medo] por exemplo, de quebrar uma ponte ou quebrar uma estrada, de não conseguir chegar de balsa para trazer o diesel, ou seja, que realmente fiquemos no escuro, mergulhados no caos e na insegurança social”.
Roraima também sofre com a falta de novos potenciais investimentos, pela matriz energética ineficiente, segundo Santos. “Todo e qualquer projeto que você vai fazer em Roraima, nacional ou estrangeiro, que precise levar em conta uma matriz energética limpa para receber um financiamento melhor, para se enquadrar no padrão do investimento climático, não vai acontecer, por conta da matriz não renovável do estado. A futura interligação vai permitir que aquela população tenha acesso a uma energia limpa e mais segura, abrindo a porta para novos negócios verdes”, afirma.
O governo de Roraima, por meio de nota, se manifestou quanto a necessidade da celeridade para o estado integrar o SIN. “É importante para Roraima, porque permitirá que o Estado tenha maior autonomia e segurança energética, condições imprescindíveis para o desenvolvimento humano, social e econômico para a população roraimense. Além disso, a dependência da matriz fóssil também gera mais poluição ao meio ambiente”.
Interligação com o SIN - licenciamento ambiental complexo atrasou a obra
A esperança para o fim do isolamento elétrico é a construção dos 715 km do chamado Linhão Tucuruí, que vai interligar Roraima ao Sistema Nacional. A obra foi licitada em 2011, mas só começou em setembro de 2023.
Em nota, o Ministério de Minas e Energia afirmou que a previsão de conclusão das obras da linha de transmissão Manaus-Boa Vista, que interliga Roraima ao SIN, é setembro de 2025 – são 10 anos de atraso, levando em conta que a previsão inicial era janeiro de 2015.
A EPE (Empresa de Pesquisa Energética), responsável pelo planejamento energético nacional, afirmou por meio de nota que o atraso para construir linhas de transmissão que interliguem o estado com o restante do país se deve a uma série de fatores ligados às questões indígenas e socioambientais e grandes dificuldades para obtenção das licenças necessárias para início de implantação das obras.
De acordo com Suely Araujo, especialista Sênior em Políticas Públicas do Observatório do Clima e ex-presidente do Ibama (entre 2016 e 2018), a licença demorou pelo difícil acordo com os indígenas Waimiri Atroari, que, durante a ditadura militar, quase foram dizimados pelas construções de estradas. “Portanto havia desconfiança por parte deles com grandes empreendimentos”, pontua. Em setembro de 2022 os representantes Waimiri assinaram um acordo com o governo e o empreendedor, depois de ajustes nas compensações ambientais do projeto.
Além das questões indígenas, Suely explica que houve um impasse burocrático, já que o concessionário tinha problemas contratuais com a União.
Energia solar
Atualmente o parque de geração de energia de Roraima é composto por 44,1% com térmica a gás natural; 21,4% térmica a biocombustíveis, 13,2% térmica a óleo; 18 % térmicas movida a resíduos agroindustriais e florestais e 3 % de pequenas centrais hidrelétricas.
Hoje em dia apenas 1% da matriz do estado é composta por energia solar. Mesmo com essa baixa fatia, Roraima deixou de usar, desde 2016 (quando instalado o primeiro painel solar do estado) até setembro de 2022, mais de 26 milhões de litros de diesel, além de evitar aproximadamente 85 mil toneladas de gases de efeito estufa, e de ter uma redução no custo de 177 milhões de reais na CCC, de acordo com dados do Fórum de Energias Renováveis de Roraima.
A energia solar do estado é feita pela Geração Distribuída, modalidade em que a empresa ou residência produz eletricidade por meio de instalação particulares de placas fotovoltaicas. A primeira placa foi instalada em 2016, por autorização da ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica), mas só ganhou escala em 2019. Desde então foram instaladas mais de 2500 placas, espalhadas por mais de 60 unidades consumidoras.
A COP 28 (Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas) realizada em 2023 em Dubai, Emirados Árabes Unidos, teve como marco a inclusão pela primeira vez do termo “transição para longe dos combustíveis fósseis”, mencionando a necessidade de uma transição energética para energias mais eficientes. Em 2025, a Amazônia brasileira receberá a COP 30. Resta saber se até lá, como prometido, o estado de Roraima estará usufruindo de energias renováveis.