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Comunidade na Amazônia implementa mini usina de energia solar que abastece a população 24 horas por dia

Em áreas isoladas do Brasil, usualmente o acesso à energia passa pela dependência do gerador a diesel que, além de ser caro, emite gases do efeito estufa que contribuem para a crise climática. Em Vila Limeira, no sul do Amazonas, este cenário não era diferente até 2021. Mas tudo mudou quando a comunidade conseguiu implementar uma mini usina de energia solar

Em Vila Limeira, sul do Amazonas, uma mini usina de energia solar abastece 33 famílias, que somam cerca de 80 pessoas. O diferencial para outros projetos de renováveis na região é o fornecimento ininterrupto. Assim como em qualquer grande cidade, os moradores têm acesso à energia 24 horas por dia. 

O projeto foi uma iniciativa conjunta da Associação dos Produtores Agroextrativistas da Assembleia de Deus da Vila Limeira (Apavil), da WWF-Brasil, com apoio da Fundação Mott e autorização do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A minirrede que foi instalada é conhecida no Brasil como Microssistema Isolado de Geração e Distribuição de Energia Elétrica, com capacidade de 30kWp. O sistema conta com baterias de lítio com durabilidade de 15 anos e medidores individuais digitais em todas as unidades consumidoras. 

Vila Limeira é uma das 100 comunidades dentro da Reserva Extrativista Médio Purus, que fica entre os municípios de Lábrea e Pauini. Apesar de estar situada no Amazonas, a capital mais próxima da vila é Rio Branco, no Acre. 

Foto: Alessandra Mathyas

Por estar no meio da floresta é inviável ter uma ligação com o Sistema Interligado Nacional. Por isso, antes da solução, o acesso à eletricidade se restringia a três horas noturnas a partir de gerador a diesel de 30 kWh, que consumia cerca de 10 litros por dia. 

O custo mensal para cada família variava até R$ 120. Nas três horas disponíveis, a energia era usada para tarefas domésticas e produtivas relacionadas principalmente ao cultivo da mandioca – macaxeira ou aipim, dependendo da região.  

“A gente viu que era necessário ter uma uma energia contínua para melhorar tanto a qualidade de vida das pessoas, no aspecto do conforto mesmo, mas principalmente para a questão da produtividade e poder avançar nos estudos. Hoje, com a internet, a gente consegue avançar nos estudos à distância”, contou o líder comunitário Napoleão Oliveira.

Esta mudança de realidade só foi possível pois a comunidade se mobilizou em 2018  para financiar o projeto. A organização comunitária existe desde os anos 90, e já havia feito a compra de um gerador, de 12,5 kWh, antes de receberem o mais recente, entregue pela prefeitura. O primeiro passo na nova empreitada foi estudar a geração de energia solar e depois entrar em contato com uma empresa especializada para saber qual seria o investimento necessário. Na época, o custo orçado seria de R$ 300 mil, muito além das possibilidades financeiras da vila.

O líder comunitário conta que eles chegaram a buscar bancos para um financiamento, mas se depararam com obstáculos para oferecer garantias. A mais valiosa era a produção de castanhas, que rende em torno de R$ 15 mil. O banco disse que era o início para a negociação de um empréstimo a ser pago em 25 anos, mas seriam necessárias mais garantias. Enquanto pensavam como atender às exigências, eles souberam de outro projeto em uma comunidade vizinha que instalava kits de bombas de água movidos a energia solar. A partir desse contato eles conseguiram fazer uma ponte com a WWF.

Processo de instalação

Foto: Napoleão Oliveira

O projeto foi dimensionado para que pudesse atender a comunidade por 24 horas por dia, diferente de outras iniciativas que têm o fornecimento intermitente, com período controlado, assim como acontecia com o gerador a diesel. Em Vila Limeira, a proposta não foi de sistemas individuais, também comuns na Amazônia. Pelo fato de a comunidade ter as casas bem próximas umas às outras, foi possível criar uma minirrede, com marcador de consumo individual. Um painel com um banco de baterias é concentrado em um local, o que afeta menos as residências e a paisagem da comunidade. 

“Isso só é possível se você tem uma comunidade bem adensada, senão você teria que gastar muito também em fiação, em transmissão de energia”, explica Aurélio, consultor que participou do desenvolvimento do projeto, afirmando que a geração de energia desta forma é mais eficiente. A desvantagem é que, se falha um componente importante, toda comunidade também tem uma restrição de energia, pois está todo mundo plugado no mesmo lugar.

O consumo médio mensal de energia de toda a comunidade é de 1.063 kWh, o que equivale a cerca de 50% da capacidade de fornecimento de energia da mini usina solar. Isso permite que a comunidade cresça e o sistema atenda às novas famílias. O consumo médio mensal por unidade é pouco acima de 30 kWh. Pensando nas futuras manutenções e trocas de placa ou bateria, a comunidade decidiu cobrar em 2021 R$ 0,80/kWh, reajustado no ano passado para R$ 1/kWh. Com base nestes valores, a comunidade acumulou cerca de R$ 9.800 logo nos primeiros 10 meses de operação. 

Foto: Napoleão Oliveira

Antes da energia solar, eles combinavam em reuniões os valores de acordo com o consumo de cada família, o que poderia representar de R$ 45, para quem tinha apenas lâmpadas, a R$ 120. Napoleo diz que o seu próprio consumo variava de R$ 95 a R$ 105, dependendo a quanto era comprado o combustível. Atualmente, esse valor baixou para R$ 30 com a energia solar. 

O processo de instalação teve ampla participação da comunidade com diversas reuniões para implementação e treinamento para acompanhar a manutenção e consumo do equipamento. O especialista explica que os moradores precisam fazer uma inspeção visual e checar sempre os sensores do sistema. “É manter as placas limpas, evitar que bichos se acumulem e ficar atento aos sinais do sistema de monitoramento, se a bateria está baixa, se desconectou”. Operações mais complexas demandam um técnico.

Mudanças na vida comunitária

Vila Limeira surgiu com a migração de nordestinos nos anos 1950, com o ciclo da borracha. Com o declínio da produção, a comunidade ribeirinha tornou-se essencialmente extrativista, vivendo de pesca, madeira, frutos, castanha, mel, farinha e roçado. Antes do acesso a energia a atividade doméstica demandava mais tempo. Era comum carregar baldes de água para casa e banhar-se e lavar as roupas no rio. Fazer consertos com o uso de furadeira, por exemplo, só poderia acontecer à noite, quando a energia era ligada.

Atualmente, a comunidade conta com água encanada com um sistema que bombeia para todas as casas e a televisão e os celulares são mais acessíveis, o que mudou a criação dos filhos de Napoleão. Com um de 18 e uma menina de 3 anos, ele já vê a mudança de comportamento e tenta controlar o uso de eletrônicos. “Ás vezes tenho que lembrar a ele ‘menino, a gente carregava água e hoje você para encher as vasilha para colocar água no freezer ainda acha dificuldade”.

Foto: Alessandra Mathyas

A rotina também mudou para Eva de Oliveira, de 35 anos. Professora da educação infantil pela manhã e agricultora à tarde junto com o marido, ela conta que planta mandioca, cana-de-açúcar e abacaxi. Eva é testemunha do avanço na comunidade. Quando tinha por volta dos dez anos, antes da chegada do gerador, o que tinha à noite era a lamparina. Com o gerador, a rotina melhorou, mas ainda era complexa. O horário das 19h às 22h era usado para atividades domésticas, ver televisão, usar o celular além de ir ao culto. 

“A gente conseguiu organizar as nossas tarefas de casa melhor. Você fica despreocupado, né? Tipo assim, de manhã você não fica com aquela preocupação que vai lavar roupa hoje. Você acorda e, de manhã cedo, se quiser, já começa a lavar roupa, você começa a fazer as suas atividades normalmente. Mudou bastante mesmo”.

Ela conta que a qualidade dos produtos cultivados melhorou com a água encanada e também mudou a educação na comunidade. Agora é mais fácil ter aulas à noite e os professores, que vêm da cidade para a zona rural, podem se adaptar de forma mais fácil, já que passam o ano letivo morando na comunidade. “Não tinha um mínimo, um ventilador, né? Ficava muito difícil para você fazer um trabalho, usar impressora, o computador, tudo era difícil.”  

Eva sempre teve o sonho de fazer uma graduação de pedagogia, mas não tinha condições financeiras de sair da zona rural para viver na cidade. Agora, ela está estudando na modalidade ensino à distância. Segundo a moradora, outras pessoas da comunidade também voltaram a estudar. 

Na vida de Napoleão passou a sobrar mais tempo. “Na época [do diesel], a gente ficava o tempo todo tentando atender às necessidades da comunidade nessa questão do abastecimento de energia. Eu tinha que ficar correndo atrás dos políticos locais, prefeito e vereadores, quando o gerador dava problema. Enfim, era uma correria danada e ainda tinha a questão de arrecadar o recurso para comprar o combustível para funcionar”.

Isso não quer dizer, no entanto, que problemas não acontecem com a minirrede atual. Na verdade, em outubro do ano passado, um cabo de comunicação falhou e o sistema ficou parado por 30 dias. O componente necessário teve de ser despachado de São Paulo, com custos e prazos bem altos. A falta de uma cadeia de suprimentos mais robusta no Norte acaba por provocar este tipo de problema, principalmente pela logística complexa.

Foto: Napoleão Oliveira

Desafios para o futuro

Os moradores entendem que apesar do avanço sempre é preciso melhorar. Uma das questões é que as pessoas tenham responsabilidade com o consumo de energia. Eles sabem do grande potencial de produtos da biodiversidade então têm planos de que a minirrede possa atender a uma fábrica de polpas e óleos vegetais. Para isso, já traçam planos para aumentar a capacidade de fornecimento de energia. Mas este será um novo desafio para o financiamento.

“Pequenas expansões são viáveis, mas duplicar, por exemplo, eu acho que seria muito caro para essa comunidade. Eles teriam que alavancar um recurso que levaria uma década para juntar”, diz Aurélio, explicando que o dinheiro que a vila arrecada atualmente será importante para as trocas de baterias e placas a partir de 2036.

Quando o assunto é a possibilidade de replicar, os moradores acreditam que é viável. Eles alertam que é preciso perseverar para encontrar uma via de financiamento, o maior gargalo para a implementação. Outra questão é que os desafios vão aparecendo no caminho e a comunidade precisa estar bem organizada para superá-los. No caso de áreas isoladas, como as comunidades amazônidas, como a logística é complexa, é preciso bastante planejamento antes de ir à campo. 

“Você não pode perder um minuto, tem que planejar bem, pensar em tudo levar tudo que se necessita e talvez até não necessite, pensando na possibilidade de se der alguma falha. Você tem que ter um um plano B e um plano C”, finaliza o especialista.

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