“Discursos vazios”: pronunciamentos de Lula mostram a que veio o Brasil na COP28, mas país também terá que responder por contradições

Com reconhecido potencial na produção de energias renováveis, o Brasil chega a COP com a intenção de liderar negociações e cobrar repasses financeiros dos países desenvolvidos. Mas com recentes decisões em prol da indústria fóssil, o governo de Lula também vai ter que se explicar.

Após um governo federal ligado ao negacionismo climático, o Brasil busca retomar na COP 28 o protagonismo nas negociações acerca das mudanças do clima. Desta vez, especialmente, o país se prepara para liderar negociações de olho na COP 30 – que será sediada na cidade brasileira de Belém, no estado do Pará. 

Nesta sexta-feira (01) Lula discursou na abertura da Conferência. O presidente brasileiro fez duras críticas aos “discursos vazios” e aos gastos com armas de guerra, “quantia que poderia ser investida no combate à fome e no enfrentamento da mudança climática”, pontuou. Como esperado, Lula falou do combate à desigualdade como crucial para a redução das emissões. “Quem passa fome tem sua existência aprisionada na dor do presente. E torna-se incapaz de pensar no amanhã”, disse. 

O presidente disse ainda que o “não cumprimento dos compromissos assumidos corrói a credibilidade do regime”, dizendo ser lamentável que o Acordo de Paris não seja implementado. 

Lula discursa na sessão de abertura da Presidência da 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP28), em Dubai. Foto: Ricardo Stuckert/PR

Lula reforçou o compromisso do Brasil de zerar o desmatamento até 2030, e destacou as metas de redução de emissões do país, “mais ambiciosas do que as de muitos países desenvolvidos”. 

De fato, o Brasil chega a COP 28 com o compromisso com a redução de emissões renovado, depois da revisão da sua NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada, em inglês). Além disso, Lula deve anunciar uma proposta de um plano global para preservação de florestas. 

Por outro lado, o governo tem evitado se comprometer com a diminuição dos investimentos no setor de petróleo e gás (que não por acaso ficaram fora do discurso do presidente) e ainda precisa de estratégia mais clara para chegar ao desmatamento zero.

Pressão internacional

Durante coletiva de imprensa realizada no dia 20 de novembro, André Corrêa Lago, embaixador do Ministério das Relações Exteriores e negociador-chefe do Brasil, e Ana Toni, Secretária Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, disseram que o objetivo é chegar a COP 30 com uma das metas mais ambiciosas para a redução nas emissões de gases do efeito estufa (GEE), pressionando outros países a também serem mais ambiciosos. Lago adiantou que o Brasil será uma espécie de “paladino do 1,5 graus”, visando garantir que o aumento da temperatura do planeta não ultrapasse a meta do Acordo de Paris. 

“Todos os países têm setores complicados, que vão sofrer. O grau e meio obriga que se encontre soluções realistas e dentro dessa diversidade de circunstâncias. Então eu acredito que o grau e meio permite você construir uma lógica e uma pressão para soluções”, comentou Lago: “Nós acreditamos muito que a tecnologia pode evoluir, mas essa tecnologia só evolui na medida em que há uma pressão para que seja adotada”. 

O objetivo é liderar na COP 28 as negociações do documento Global Stocktake (GST), chamado em português de Balanço Geral, que avalia como está sendo aplicado o Acordo de Paris e quais foram os “desvios” no percurso”. O Brasil quer que a discussão sobre GST trate da implementação, sobretudo de financiamento, tecnologia e capacitação a favor de países em desenvolvimento. 

Daniel Fonseca, Chefe da Divisão de Ação Climática, Embaixador André Aranha, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty e Ana Toni, secretária Nacional de Mudança do Clima do MME, falam sobre participação do Brasil na COP-28. Foto: José Cruz/Agência Brasil
Daniel Fonseca, Chefe da Divisão de Ação Climática, Embaixador André Aranha, secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Itamaraty e Ana Toni, secretária Nacional de Mudança do Clima do MME, falam sobre participação do Brasil na COP-28. Foto: José Cruz/Agência Brasil

“No caminho de Belém, é muito importante que a COP 28 tenha um GST bem sucedido”, avaliou o negociador-chefe brasileiro. “Conversando com todo mundo, vamos tentar desbloquear ao máximo as negociações porque há uma grande expectativa de que o Brasil, podendo ter um diálogo aberto com todos os países, possa contribuir para que o GST seja muito positivo”, completou.

Se o grande objetivo brasileiro da COP 28 é o GST, para a COP 29 a intenção é avançar em uma nova arquitetura financeira para incentivar a ação climática e concretizar a trajetória brasileira de liderança na COP 30, quando acontecem as revisões das NDCs. 

“A gente espera que o tema de financiamento dos US$ 100 bilhões seja resolvido nesta COP [28], que é a promessa, mas na COP 29 a gente vai ter que pensar na próxima demanda de recursos e um acordo sobre isso. Esses dois elementos são essenciais para que a COP 30 seja um sucesso”, analisou a secretária Ana Toni, lembrando da proposta da COP 15, em 2009, quando os países ricos se comprometeram com um fundo de US$ 100 bilhões, mas que não foi cumprido.

Revisão da NDC

Lula citou revisão da NDC como um exemplo do comprometimento do governo com o desafio de frear as mudanças climáticas. A promessa de fazer a revisão foi feita em julho pelo presidente Lula, e cumprida em setembro, estrategicamente a tempo da Conferência. 

A correção desfaz uma “pedalada climática” do mandato de Jair Bolsonaro. Por duas vezes, o governo anterior recalculou a meta com base em relatório com números de emissões defasados sobre 2005, ano-base (mesmo já ciente da defasagem). 

A revisão significa que o país deixa de aplicar a NDC apresentada em 2022, com metas menores de redução de emissões de GEE, e volta a se comprometer em reduzir em 48% até 2025, 53% até 2030 e alcançar emissões líquidas neutras até 2050.

Desmatamento e petróleo e gás são calcanhar de Aquiles

Vista aérea do navio-plataforma P-71, instalado no campo de Itapu, no pré-sal da Bacia de Santos, a 200 km da costa do Rio de Janeiro. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Vista aérea do navio-plataforma P-71, instalado no campo de Itapu, no pré-sal da Bacia de Santos, a 200 km da costa do Rio de Janeiro. Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil

A COP é uma oportunidade de o país mostrar que é possível aproveitar os investimentos internacionais para as soluções e atrair investimentos em setores como a transição energética. No entanto, também é o momento em que ficarão em evidência as fragilidades, como a exploração de petróleo e gás, que continua crescendo e recebendo incentivos do governo, e o desmatamento na Amazônia, onde se localiza a capital da COP 30, Belém. O estado sede é campeão de desmatamento no país, segundo dados do Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (PRODES), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE). 

“Esse era o grande tema de todas as COPs para o Brasil, então a gente espera poder falar de desmatamento, sem nenhum problema, porque a gente tem feito bastante coisa, mas também poder falar dos outros assuntos, de energia, de financiamento, para que não seja um assunto único em relação ao Brasil”, defendeu Ana Toni.

O posicionamento foi reforçado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante uma reunião no Senado Federal. “Estamos indo para COP não é para ser cobrados, nem sermos subservientes, é mas para altivamente cobrarmos”, disse. 

Para o professor Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo e membro do IPCC, o desmatamento continua sendo um ponto central da posição brasileira na COP, e não vai ser tão fácil desviar das críticas na área. “Não há a menor dúvida que o maior problema continua sendo o desmatamento, que é responsável por 51% das nossas emissões. Mas o Brasil tem todos os instrumentos e todos os recursos para fazer cumprir a meta de desmatamento zero em 2030 ou antes disso”, diz ele ao avaliar que a postura demanda mais comprometimento do governo atual após o desmonte do anterior.

Marina Silva adiantou em seu pronunciamento no Senado que o presidente Lula vai apresentar um projeto de preservação de florestas, vinculando o tema ao financiamento. “[Lula] vai levar uma proposta que só ele pode falar, de um mecanismo global para pagar por hectare de floresta em pé”, revelou. 

Além do desmatamento, a exploração de petróleo e gás é um ponto sensível na narrativa brasileira de “paladino no grau e meio”. O novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) prevê o investimento de R$ 335 bilhões para o setor de petróleo e gás em 54 projetos nos próximos anos. Além disso, autoridades do governo como o  ministro de Minas e Energia Alexandre Silveira defendem a exploração de petróleo na Foz do Amazonas pela Petrobrás, criticada por cientistas e ambientalistas. 

Diante deste cenário, um grupo de 61 organizações divulgou um documento pressionando o governo brasileiro a liderar um acordo global pela eliminação progressiva dos combustíveis fósseis ainda na COP 28. A proposta é que a exploração de combustíveis fósseis deve ser reduzida em 43% até 2030 em relação aos níveis de 2019; e 60% até 2035, inclusive com a suspensão de novas frentes de exploração. As organizações cobram ainda que as petroleiras e o setor de carvão deixem de receber dinheiro público em forma de subsídios e financiamento de projetos.

“O governo defendendo internamente a exploração de petróleo e gás no país para mim é contra a história que um líder climático almeja”, avaliou Suely Araújo, coordenadora de política públicas do Observatório do Clima, reforçando que a ideia não é interromper a produção imediatamente, mas trabalhar em um planejamento progressivo a partir de agora. “Eu acho que tem que subir a régua tanto em termos de ambição de corte de emissões quanto na questão da ajuda dos países ricos para os países desenvolvidos”.

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