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Governo brasileiro anuncia mais de 100 bilhões de dólares para transição energética, mas 62% dos recursos vão para petróleo e gás

O Novo PAC - Programa de Aceleração do Crescimento prevê grandes investimentos em transição energética, mas especialistas discutem se é mesmo necessário financiar petróleo e gás neste processo.

Em agosto de 2023, o Governo do Brasil lançou o Novo PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, anunciando mais de 540,3 bilhões de reais (cerca de US$ 107,81) de investimentos no eixo de Transição e Segurança Energética. Entretanto, apesar de afirmar focar na mudança para energias limpas, 62% destes recursos ficarão com combustíveis fósseis.

O Novo PAC é uma iniciativa que prevê um investimento total de R$ 1,7 trilhão (cerca de US$ 338 bilhões) em todos os estados do Brasil. O programa foi criado em 2007, durante o primeiro mandato de Lula, e já teve três versões antes dessa. 

O PAC busca, por meio de parcerias entre o Governo Federal, setor privado, estados, municípios e movimentos sociais, impulsionar o crescimento econômico, criar empregos, reduzir desigualdades sociais e regionais, e promover a transição para uma economia mais sustentável, incluindo medidas em áreas como educação, saúde, infraestrutura e energia. 

O plano está organizado em medidas institucionais e em nove eixos de investimento. De acordo com o governo brasileiro, o eixo “transição e segurança energética” pretende garantir a diversidade da matriz energética, a soberania brasileira, a segurança e eficiência energética em vista do crescimento acelerado, com a geração de emprego, renda e inclusão social”. 

Lula discursa durante o lançamento do Novo PAC. Foto: Tomaz Silva - Agência Brasil
Lula discursa durante o lançamento do Novo PAC. Foto: Tomaz Silva - Agência Brasil

A alocação de recursos no Novo PAC é, atualmente, um tema central de discussão e monitoramento por especialistas, organizações ambientais e a sociedade em geral no país. A divisão de recursos, privilegiando petróleo e gás, desperta debates sobre a real orientação do programa em relação à sustentabilidade energética e ambiental. 

Por meio de nota enviada como resposta à Climate Tracker, o Ministério de Minas e Energia (MME) defendeu que “os investimentos para a transição energética não eliminam os voltados para petróleo e gás, uma vez que, segundo estimativas do mercado, o país ainda vai depender de combustíveis fósseis pelo menos nos próximos 10 anos. Cabe ressaltar que a transição energética é um processo de profunda transformação da infraestrutura e do uso de energia nos diversos setores e atividades”. 

A nota diz ainda que o processo traz desafios,  “como conciliar a segurança energética, equidade energética e sustentabilidade, por exemplo” e que o MME “está formatando um dos instrumentos que irá ajudar na gestão da transição energética do país, que é a Política Nacional de Transição Energética (PNTE). Dentro da política, os principais pilares são o Fórum Nacional de Transição Energética, que será o espaço de diálogo e gestão de conflitos, e o Plano de Transição Energética, que contemplará as ações efetivas para transformação setorial com objetivo de redução das emissões.”

O programa destinará R$ 335 bilhões (cerca de US$ 66,8 bilhões) para o setor de petróleo e gás natural nos próximos anos. São previstos 54 empreendimentos, com ênfase no desenvolvimento da produção e na construção de gasodutos e oleodutos. Também inclui investimentos em exploração marítima, refino, descarbonização e estudos em diversas áreas relacionadas à indústria. 

O objetivo, segundo o MME, é reduzir a dependência externa de combustíveis fósseis, promover a produção de petróleo e gás de de baixa emissão de carbono, além de reforçar a segurança energética do país. 

“Dentro dos estudos da Petrobras na Margem Equatorial, está prevista a perfuração de três poços. Integra o programa, ainda, o gasoduto do projeto Sergipe Águas Profundas I e II; implantação de biorrefino na refinaria de Mataripe (BA); projeto integrado Rota 3, na Bacia de Santos; conclusão da Refinaria Abreu e Lima e construção de novas unidades na Refinaria de Paulínia. Além disso (…) está prevista uma unidade de Captura e Estocagem de Carbono em reservatório subterrâneo”.

PAC prevê projetos com ênfase no desenvolvimento da produção e na construção de gasodutos e oleodutos. Foto: Divulgação Petrobrás
PAC prevê projetos com ênfase no desenvolvimento da produção e na construção de gasodutos e oleodutos. Foto: Divulgação Petrobrás

Caminho contrário à redução

Na análise de Nicole Oliveira, diretora do Instituto Internacional Arayara, com um cenário global de caos climático que busca a redução das emissões de carbono, o Novo PAC apresenta uma grave incongruência. 

“Apesar de designar um montante para o eixo de Transição e Segurança Energética, é alarmante perceber que 62% desses recursos são direcionados ao setor de petróleo e gás, combustíveis fósseis reconhecidamente responsáveis pelo agravamento do efeito estufa. A justificativa de reduzir a dependência de importações e produzir petróleo de “baixo carbono” não atenua os impactos ambientais”. Ela enfatiza que o PAC poderia ser uma oportunidade para o país liderar a inovação e transição energética justa, priorizando fontes realmente renováveis.

Oliveira também comenta os aspectos positivos do PAC, dentre os quais destaca  o investimento na geração de energia renovável, com expectativa de que 80% da geração adicional de energia elétrica seja proveniente de fontes renováveis. O investimento em energia solar e eólica indica uma clara sinalização para a diversificação da matriz energética e o aproveitamento de fontes limpas. 

Sobre os  impactos negativos, a pesquisadora aponta ainda a exploração na Bacia da Foz do Amazonas, com potenciais desequilíbrios em fauna e flora e possíveis desastres ambientais. 

Walberto Oliveira Filho, sócio do escritório Ernesto Borges Advogados, que atua no mercado energético brasileiro, enfatiza que a Agência Internacional de Energia emitiu relatório no qual a demanda por combustíveis fósseis precisa cair 25% até 2030 para manter possível o limite de aquecimento de 1,5°C, e opina que “não estamos nesse caminho”. 

“Os esforços para eliminar e reduzir gradualmente os combustíveis fósseis têm enfrentado grande resistência, mas o rápido progresso e o aumento da demanda por energia limpa apontam que essa mudança é possível. Atingir emissões líquidas-zero até 2050 é uma questão de saber se todas as peças se juntarão ou não. E, nesse sentido, entendemos que o Brasil precisa mudar seus objetivos se quiser contribuir com a contenção do aquecimento global”, pontua.

Rafael Souza, pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura, da Fundação Getúlio Vargas (FGV CERI), considera que o Brasil está olhando para o retorno gerado pelos investimentos em combustíveis fósseis e ainda está dando um peso importante para essa matriz. 

Segundo Souza, a defesa governamental é que os lucros obtidos dessa atividade poderiam ser redirecionados para apoiar a transição para uma matriz energética mais limpa.  Ele considera que, embora seja uma saída, há dificuldade em conciliar os dois objetivos. “Existem preocupações justificadas de geração de emprego, de geração de renda, de geração de riqueza que possa impactar as populações que vão se beneficiar, por exemplo, do pagamento de royalties, […] com a necessidade de se fazer uma transição energética em um futuro mais sustentável”, enfatiza.

Porém, para Souza, não é muito claro “se os recursos que vão ser gerados na produção de combustíveis fósseis vão ser de fato utilizados para a potencialização de uma transição energética.[…] Então seria importante que esses caminhos, esses planos, fossem apresentados com mais clareza para a sociedade”, pondera.  

O pesquisador do FGV CERI reflete que a sociedade brasileira precisa ter uma clareza maior a respeito de qual é todo o esforço que tem que ser feito para que o Brasil atinja as metas e consiga descarbonizar alguns dos principais setores. “De onde virão esses recursos, como é que a gente vai atingir isso? Existem questões importantes que poderiam, por exemplo, ser endereçadas de uma forma mais clara. Por exemplo, como vai ser feita a descarbonização da mobilidade urbana, do transporte público. Acho que existem potenciais de descarbonização por meio da utilização da eletrificação, da mobilidade urbana, pelo uso, eventualmente, de biocombustíveis”, afirma

Painéis solares no Centro do Rio de Janeiro. Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Painéis solares no Centro do Rio de Janeiro. Crédito: Tânia Rêgo/Agência Brasil

Avanço na descarbonização

Filho lembra que, até 2027, a participação das fontes de energia eólica e solar fotovoltaica na geração do Sistema Interligado Nacional (SIN) deverão alcançar cerca de 37% de participação na geração de energia do país, segundo estimativa do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). “Esse avanço tem contribuído para a segurança do sistema, assim como para a descarbonização da matriz elétrica. O Brasil tem enorme potencial para realizar sua transição energética para um modelo de baixas emissões, basta traçar claramente o objetivo que se busca atingir,” destaca.

A diretora do Instituto Internacional Arayara conclui que a transição energética é uma responsabilidade coletiva e compartilhada entre governo, empresas, sociedade civil e indivíduos. “A sociedade civil tem o poder de pressionar governos e empresas por políticas mais verdes, monitorando e garantindo transparência e responsabilização”, finaliza.

Fósseis financiando a transição

Luiz Mandarino, que é consultor para o setor de energia, sócio do Grupo Sai do Papel e fundador do Energy Hub Ventures,  acredita que o investimento do PAC em petróleo e gás pode ajudar a fazer uma transição para a economia de baixo carbono e renovável. 

Mandarino ressalta que “o Brasil tem se destacado em produzir um barril de petróleo com baixa pegada de CO2, comparado com o restante do mundo, devido aos altos investimentos em inovação que a área de O&G possui”, pontua. 

Ele também observa que as fontes energéticas passaram por um processo de adição e não substituição ao longo da história, coexistindo atualmente fontes fósseis como carvão, e renováveis como a solar e eólica. “Isso é devido a dois fatores principais: segurança energética e resiliência do sistema elétrico. A segurança energética está ligada a que tipo de recursos os países possuem e se o custo é competitivo. E a resiliência do sistema elétrico, que tem a ver com a capacidade de manter a oferta e demanda de energia o mais estável possível, evitando intermitências que podem derrubar o sistema e causar apagões”, detalha.

Vista aérea do navio-plataforma P-71, instalado no campo de Itapu, no pré-sal da Bacia de Santos. Foto:Tânia Rêgo/Agência Brasil

Na análise do especialista, “é importante entender que o processo de transição energética deve ser pensado e desenvolvido dentro da realidade da matriz de cada país”, ressalta.

Ele também acredita que o movimento no Brasil tem que levar em consideração o das outras nações. “Qual será o papel dos países industrializados neste processo de transição energética mundial, visto que por séculos utilizaram fontes fósseis, lançando CO2 na atmosfera? Irão atuar de modo a reparar os danos com a emissão, ou limitar a emissão dos países em desenvolvimento?”, questiona.

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